quarta-feira, 13 de maio de 2009

Artigo: Lei nº 11.275/06: aplica-se ao crime de embriaguez ao volante?

Lei nº 11.275/06: aplica-se ao crime de embriaguez ao volante?

Elaborado em 04.2007.

André Abreu de Oliveira
bacharelando em Direito pela Faculdade Dois de Julho, em Salvador (BA)


A Lei nº 11.275, de 7 de fevereiro de 2006, fez algumas alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), sobretudo no que diz respeito ao consumo de álcool e direção veicular. Dentre essas modificações, dispensaremos maior atenção àquela realizada no art. 277 do CTB, a qual estabelece que a infração (de embriaguez ao volante) poderá ser caracterizada mediante a obtenção, pelo agente de trânsito, de outras provas em direito admitidas acerca dos notórios sinais de embriaguez. Isso, no caso de recusa do condutor à realização dos testes previstos no caput daquele mesmo artigo (quais sejam: testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, etc.). Assim, analisaremos se estas inovações têm ou não aplicabilidade no crime de embriaguez ao volante. Por sua vez, a Resolução nº 206 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), de 20 de outubro de 2006, trouxe disposições especificando quais informações deverão constar, minimamente, no relatório do agente da autoridade de trânsito, ao constatar o consumo de álcool com base nos notórios sinais de ebriedade, conforme prevê a supracitada Lei nº 11.275/06.
Antes de tudo, cumpre fazer a diferenciação entre o delito de embriaguez ao volante, descrito no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, e a infração meramente administrativa, tipificada no art. 165 dessa mesma Norma. No caso da conduta delituosa do art. 306, é necessário, para que haja caracterização desta infração penal, que o condutor, além de encontrar-se sob influência de álcool ou outra substância de efeitos análogos, dirija expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, isto é, deve existir um perigo concreto de lesão. Por outro lado, basta que o motorista esteja conduzindo o seu veículo influenciado por álcool ou substância entorpecente, para que exista a consumação da infração do art. 165 do CTB, não sendo mais necessário que se atinja o nível de substância alcoólica superior a seis decigramas por litro de sangue, como era exigível antes da vigência da Lei nº 11.275/06.
Desse modo, percebe-se que o Código de Trânsito em vigor procurou estar adequado à nova concepção constitucionalista do Direito Penal, na qual não mais se aceita a incriminação por simples alegação de perigo abstrato, como acontecia, por exemplo, na Lei de Contravenções Penais (LCP), em seu art. 32. Esse dispositivo da LCP punia o ato de dirigir veículo sem possuir habilitação, não se levando em consideração a criação de um risco concreto, contravenção esta que foi revogada tacitamente com o advento do CTB, o qual acrescentou à conduta de dirigir veículo sem habilitação a exigência de se estar gerando perigo de dano (art. 309 do CTB).
Da mesma forma, quando o condutor estiver dirigindo sob efeito de álcool ou de substâncias análogas, sem, no entanto, estar provocando um perigo concreto de dano, incorrerá tão-somente na infração administrativa prevista no art. 165 do CTB. Caso contrário, dirigindo em alta velocidade, fazendo ziguezagues com o veículo ou quase causando uma colisão com outro automóvel, por exemplo, responderá administrativamente, como também penalmente, ou seja, incorrerá tanto na conduta do art. 165, infração administrativa de trânsito, como naquela do art. 306, crime de embriaguez ao volante.
Agora, depois dos esclarecimentos necessários, voltemos ao âmago da questão: os procedimentos introduzidos no CTB pela Lei nº 11.275/06, principalmente aqueles relativos à comprovação, pelo agente da autoridade de trânsito, do estado de ebriedade do condutor, podem ser utilizados quando se tratar de crime de embriaguez ao volante? Analisando-se os artigos 165, 277 e 302 do CTB, os quais foram alterados pela Lei nº 11.275/06, percebe-se o seguinte: o art. 165 e o art. 277 ficam ambos localizados no Capítulo XVII, "Das Medidas Administrativas", enquanto que o art. 302 está situado no Capítulo XIX, "Dos Crimes de Trânsito". Logo, como as regras referentes à constatação de embriaguez do motorista, através dos seus notórios sinais, foram inseridas no art. 277, e este artigo compõe o capítulo destinado às medidas administrativas, deduz-se que estas normas só podem ser aplicadas exclusivamente no âmbito administrativo, e não na esfera penal. Em se tratando de crime de embriaguez ao volante, devem ser utilizados os procedimentos presentes no Código de Processo Penal, notadamente aqueles presentes no Título VII, "Da Prova", como se infere do caput do art. 291 do CTB, que diz: "aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber".
Também, quanto à Resolução nº 206 do CONTRAN, esta tem sua aplicação restringida ao campo administrativo, pelos mesmos motivos supramencionados, expostos em relação à Lei nº 11.275/06, na qual se baseia a Resolução. Além disso, de modo contrário, estar-se-ia ferindo o Princípio da Legalidade, o qual estabelece que somente a lei poderá tratar dos aspectos punitivos penais, vedando que qualquer outro ato normativo, como a resolução, o faça.
Outrossim, a modificação realizada no art. 302, que tipifica o homicídio culposo na direção de veículo automotor, apenas inseriu mais uma causa de aumento de pena para esse crime, quando o condutor que incorrer nesse delito estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos.
Por fim, a nosso entender, só será admitida a condução coercitiva do motorista com suspeita de embriaguez, para se submeter ao exame clínico (ante a recusa à realização dos testes previstos no art. 277 do CTB), quando se tratar de crime de embriaguez ao volante. Já na infração administrativa do art. 165 do CTB, caso o condutor recuse-se a fazer os testes, não poderá ser conduzido sob coerção para realizar o exame clínico, razão esta que deve ter motivado a mudança na redação do CTB, através da Lei nº 11.275/06. Pois, de outro modo, não restariam alternativas ao agente da autoridade de trânsito, quando o condutor se negasse a realizar os exames, uma vez que este não poderia ser conduzido forçadamente por aquele, prevalecendo, neste caso, a impunidade. Nesse ponto, a Lei nº 11.275/06 apresentou, acertadamente, uma resposta eficaz a esse problema.

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