segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Marido que abandona lar não tem direito a partilha dos bens

REGRA DE USUCAPIÃO

Marido que abandona lar não tem direito a partilha dos bens


Um parceiro que abandona por muito tempo o cônjuge, o lar e os filhos não tem direito à partilha de bens do casal. O imóvel que pertenceu ao casal passa a ser de quem o ocupava, por usucapião. Assim decidiu a 4ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao confirmar sentença de comarca do sul do estado.
No caso julgado, um homem que teve decretado o divórcio no ano de 2000 pediu a divisão do imóvel no qual morava sua ex-mulher. Ele ajuizou a ação de sobrepartilha em 2008, já que foi revel (condição do réu que, citado, não comparece para o oferecimento da defesa) na ação de divórcio, ajuizada pela ex-mulher, de forma que não houve a partilha de bens naquela ocasião. O homem abandonou a mulher há 46 anos.
O argumento de defesa da mulher foi que o imóvel não poderia ser dividido com o ex-marido porque, embora registrado entre eles, há muito ela tinha a posse exclusiva sobre o bem, tendo-o adquirido pela via do usucapião. O relator, desembargador Eládio Torret Rocha, apontou não haver dúvidas de que o homem abandonou o lar, deixando os bens, a esposa e os sete filhos do casal à sua própria sorte.
Jurisprudência
O relator apontou, ainda, que em casos de prolongado abandono do lar por um dos cônjuges a doutrina e a jurisprudência  consolidaram o entendimento de que é possível, para aquele que ficou na posse sobre o imóvel residencial, adquirir-lhe a propriedade plena pela via da usucapião, encerrando-se, excepcionalmente, a aplicação da norma que prevê a não fluência dos prazos prescricionais nas relações entre cônjuges.
"Oportunizar, portanto, a partilha do imóvel, metade por metade, pretendida pelo varão depois de 46 anos de posse exclusiva exercida sobre o bem pela esposa abandonada — tão-só a partir do simples fato de que a titularidade do terreno ainda se encontra registrada em nome de ambos —, afora o sentimento de imoralidade e injustiça que a pretensão exordial encerra em si própria, seria negar por completo os fundamentos sobre os quais se construíram e evoluíram as instituições do Direito de Família e do Direito das Coisas enquanto ciências jurídicas", afirmou Rocha. A decisão foi unânime.
Tal raciocínio interpretativo, aliás, continuou o relator, foi determinante para a promulgação da Lei 12.424/2011, por definir que o cônjuge abandonado, após dois anos de posse com fins de moradia, adquire a propriedade exclusiva do imóvel, em detrimento do direito de propriedade do parceiro que o abandonou. Mas essa lei não foi aplicada por o caso em discussão ser anterior a ela. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SC

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O contrato de locação imobiliário residencial urbano sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor

Sobre a discussão da possibilidade ou não da aplicação do CDC aos contratos de locação, segue este texto abaixo enviado por uma colega e muito interessante.

Vale a pena parar para dar uma lida......


O contrato de locação imobiliário residencial urbano sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor
Rodrigo César Faquim - Elaborado em 03/2013.



Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos imobiliários de locação urbanos diante da lei específica do inquilinato? Podem os dois diplomas legais coexistirem para uma melhor distribuição do direito?



Resumo
O presente texto aborda de forma singela o contrato de locação imobiliária residencial sob a égide do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e sua aplicabilidade nos referidos contratos, que passaram a ter legislação especial, a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), posteriormente à entrada em vigor do CDC.
Demonstra-se sinteticamente, as correntes doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto, que, por serem conflitantes, vêm produzindo muitas polêmicas a respeito de sua da aplicação ou não.
Busca ainda, analisar estes dois institutos do ponto de vista do princípio do diálogo das fontes, onde foi possível a conclusão, com o devido respeito às doutas opiniões em contrário, de que o Código de Defesa do Consumidor, sem a menor dúvida, é plenamente aplicável aos contratos residenciais de locação

Palavras-chave: contrato, locação imobiliária residencial, código de defesa do consumidor, Lei 8.078/90, lei do inquilinato, Lei 8.245/91, CDC.

Sumário:
1 INTRODUÇÃO.

2 DO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANO.

3 DA APLICAÇÃO OU NÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANA.

3.1 DA APLICAÇÃO DO CDC AO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANO SEGUNDO A DOUTRINA.

3.2 DA APLICAÇÃO DO CDC AO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANO SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA.

3.3 A TEORIA DO DIÁLOGOS DAS FONTES COMO UMA DAS BASES À APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO IMOBILIÁRIO RESIDENCIAL URBANO.

3.4 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO NORMA COMPLEMENTADORA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTIGO 5º, XXXII, DA CF), ADQUIRINDO STATUS CONSTITUCIONAL. CDC QUE NÃO PODE SER DERROGADO PELA LEI DO INQUILINATO, DEVENDO SER APLICADO AOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL.

4 CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA

1. INTRODUÇÃO
A cada dia que passa, nossa sociedade passa por inúmeras transformações em todos os seguimentos.

O que tem nos chamado a atenção é a alta expansão do mercado imobiliário, que vem gerando uma padronização nos contratos locatícios e a ideia da aplicação da lei consumerista, ante a desigualdade das partes contratantes, justamente pela ausência de flexibilidade das cláusulas contratuais.

Não se pode olvidar que diante da modernidade tecnológica, os contratos em geral tiveram uma padronização, dificultando a negociação das suas cláusulas, muitas delas abusivas, as quais fatalmente acabam prejudicando a parte mais vulnerável da relação contratual, gerando desequilíbrio.

Desta maneira, há de ser perseguida pelos operadores do direito a igualdade contratual, um contrato mais justo e que reprima as cláusulas abusivas por parte dos fornecedores aos consumidores, no presente caso, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) e o exame da Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), sendo esta, lei especial e posterior ao CDC.

Observa-se que não é raro, o profissional do Direito deparar-se com uma série de comandos legislativos, o que o leva a nem sempre encontrar a solução mais adequada ao caso concreto.

Por isso, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, o tema tornou-se polêmico, as quais não informam com certeza, sobre a possibilidade de aplicação do CDC na relação contratual imobiliária locatícia, uma vez que, nos dias de hoje, o consumo está massificado, o que leva a vários perigos ao consumidor, parte hipossuficiente da relação contratual e que raramente participa na elaboração do contrato.
A controvérsia se instalou após a entrada em vigor da Lei do Inquilinato e da interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça, que entendeu não ser aplicável o CDC aos contratos de locação. Isso porque, para o E. STJ, com a promulgação da Lei do Inquilinato, em 18 de outubro de 1991 (lei especial que dispunha expressamente sobre locações imobiliárias urbanas), o Código de Defesa do Consumidor, promulgado em 11 de março de 1991, que também dispunha sobre regras contratuais, não se aplicaria aos casos abarcados por aquele Diploma, o que acabou gerando inúmeras discussões.

A pergunta que passou a ser feita é: aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos imobiliários de locação urbanos diante da lei específica do inquilinato? Por quê? Podem os dois Diplomas legais coexistirem para uma melhor distribuição do direito?

As respostas a essas perguntas constituem o objetivo deste artigo. A análise das referidas diferenças dos institutos sob a visão doutrinária e jurisprudencial e a existência da Teoria do Diálogo das Fontes são o um dos pontos importantes para se obter algumas idéias sobre o assunto.
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2 DO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANO

Delimitando desde já a matéria, verificamos a existência do contrato de locação para fins comerciais, o contrato de locação para fins residenciais celebrado entre particulares e o contrato de locação entre particulares, mas realizado por intermédio de imobiliária.

Ao contrato de locação para fins comerciais, ainda que realizado por intermédio de imobiliária, entendemos a ele não se aplicar o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que o locatário deste tipo de imóvel não o utiliza como destinatário final, ou seja, para sua moradia. Se o imóvel for utilizado para auferir lucros através de atividade comercial, estará desconfigurada a relação de consumo, e, portanto, tal contrato está além do campo de atuação do CDC.
Neste sentido:

EMBARGOS À EXECUÇÃO - EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL - Contrato de locação de imóvel não residencial - Título líquido, certo e exigível - Processo instruído com documento hábil – Insuficiência de recursos financeiros não é razão o bastante para desobrigarem as embargantes - Cobrança de juros abusivos e prática de anatocismo, afastada - Ausência de planilha de cálculo que justificasse a cobrança de juros abusivos, nos termos do art. 739-A, § 5º do Código de Processo Civil - Inaplicável o Código de Defesa do Consumidor por não tratar de relação de consumo entre as partes, bem como considerando a existência de regramento específico pela Lei nº 8.245/911 que regula a matéria - Procedência dos embargos à execução - Recurso desprovido.[1]

E ainda:

CIVIL.  SHOPPING  CENTER.  INSTALAÇÃO  DE  LOJA. PROPAGANDA  DO  EMPREENDIMENTO  QUE  INDICAVA  A PRESENÇA  DE  TRÊS  LOJAS-ÂNCORAS.  DESCUMPRIMENTO DESSE COMPROMISSO. PEDIDO DE RESCISÃO DO CONTRATO.

1. Conquanto a relação entre lojistas e administradores de Shopping Center não seja regulada  pelo CDC,  é  possível  ao Poder Judiciário reconhecer  a abusividade  em  cláusula  inserida  no  contrato  de  adesão  que  regula  a locação  de  espaço  no  estabelecimento,  especialmente  na  hipótese  de cláusula que isente a administradora de responsabilidade pela indenização de danos causados ao lojista.

2. A promessa, feita durante a construção do Shopping Center a potenciais lojistas, de que algumas lojas-âncoras de grande renome seriam instaladas no estabelecimento para incrementar a frequência de público, consubstancia promessa de fato de terceiro cujo inadimplemento pode justificar a rescisão do contrato de locação, notadamente se tal promessa assumir a condição de causa  determinante  do  contrato  e  se  não  estiver  comprovada  a  plena comunicação  aos  lojistas sobre  a  desistência  de referidas  lojas,  durante  a construção do estabelecimento.

3. Recurso especial conhecido e improvido[2]

O contrato de locação residencial é celebrado diretamente entre particulares (o locatário e o proprietário do imóvel), igualmente não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que não existem os requisitos legais para configuração de uma relação de consumo entre os dois particulares.

Isso porque no que concerne à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, adota-se a corrente finalista mitigada ou de finalismo aprofundado, segundo a qual, para que seja caracterizada como consumidora, deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido, em benefício próprio e para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse, de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços, e ainda, demonstrar sua vulnerabilidade, técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor, no caso concreto.

Luiz Antônio Rizzatto Nunes, citado por Eliseu Jusefovicz[3], esclarece-nos que:
“A idéia de atividade é o que caracteriza o conceito de fornecedor. Atividade essa que pode ser rotineira ou eventual”. Adiante explica: “Logo, numa típica relação de locação de imóvel, na qual figuram duas pessoas, uma locadora e outra inquilina, mas não sendo a locadora, fornecedora pela qualificação do CDC, esse não tem aplicação”. Pois “somente poder-se-ia falar em fornecedor se o locador desenvolvesse atividade de locação de imóveis, isto é, se se pudesse caracterizar a locação como um serviço oferecido (como o faz, por exemplo, uma locadora de automóveis)”. Ou seja, “não se deve confundir a relação existente entre locador e locatário, com a relação existente entre as imobiliárias e o locador e/ou locatário. As imobiliárias, que regularmente intermedeiam relações de locação de imóveis, são típicas fornecedoras, prestadoras de serviços e, nas relações com elas estabelecidas, há incidência, dentre outras normas, das regras do CDC”

Neste sentido, transcreve-se trecho de v. acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, o qual nos esclarece:

No que concerne à adoção do Código de Defesa do Consumidor este não é aplicável ao caso, dado que inexiste relação de consumo entre as partes.
O contrato foi celebrado entre particulares mediante a aceitação das cláusulas contratuais, afastada qualquer conotação de fornecimento de produto ou de serviço, como corolário do exercício habitual de atividade dessa natureza.
Trata-se de relação locatícia em que se aplicam as regras da Lei 8.245/91 e, portanto, as disposições convencionais prevalecem com efeito vinculativo.[4]

Ainda, existe o contrato de locação entre particulares, mas realizado por intermédio de imobiliária.
Nesses contratos, existe a imobiliária que faz a intermediação entre o inquilino e o proprietário do imóvel, ocorrendo, em tese, uma relação de comércio ou de consumo, configurando um desequilíbrio na relação contratual ante a vulnerabilidade da parte hipossuficiente da relação, o inquilino.
Este na quase totalidade das vezes, assina um contrato de adesão, com várias cláusulas que o colocam em desvantagem excessiva, até mesmo por não lhe ser permitido a negociação das cláusulas contratuais.
Nestes casos, parece-nos necessária a aplicação do Código de Defesa do Consumidor visando assegurar a proteção do inquilino consumidor no mercado de consumo.
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3 DA APLICAÇÃO OU NÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANA
Em 11 de março de 1991, entrou em vigor o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), lei direcionada à defesa do hipossuficiente. Em 18 de outubro de 1991, posteriormente, portanto, foi editada a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), que entrou em vigor sessenta dias após, conforme disposto no artigo 89 da referida lei.
A Lei do Inquilinato passou a dispor expressamente em seu bojo sobre a locação imobiliária urbana, ao passo que o CDC dispunha de forma genérica sobre as regras contratuais, e a partir daí estabeleceu-se uma celeuma sobre o assunto, pelo fato de ambas as leis serem ordinárias, sendo este o objeto da presente abordagem.

3.1 DA APLICAÇÃO DO CDC AO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANO SEGUNDO A DOUTRINA
Na doutrina, maior prevalência tem a tese de aplicação do CDC aos contratos de locação imobiliária residencial urbana.
Segundo o magistério de Claudia Lima Marques[5]:
“...tratando-se de locação residencial a aplicação das normas protetivas do CDC será a regra, como concorda apenas parte minoritária da jurisprudência.”

Nesse diapasão é o entendimento de Silvio de Salvo Venosa, citado por Zilda Tavares[6]:
O CDC cria um microssistema legal que se insere e se harmoniza com as relações jurídicas regidas pelas leis civis, mercantis, administrativas.

Dúvidas inexistem que as constantes leis do inquilinato de nossa história, afora o caráter emergencial de anteriores leis revogadas, sempre se mostraram como leis especiais, destinadas unicamente a reger a relação ex locato, com evidente intuito protetivo do inquilino.

Sob esse aspecto há patente ponto de contato entre o CDC e a Lei do Inquilinato: ambos os diplomas buscam proteger o contratante em tese juridicamente mais fraco, contra aquele que se apresenta na relação negocial, sempre em tese como economicamente mais forte: locador e locatário; consumidor e fornecedor (estes conceituados respectivamente nos arts. 2º e 3º do CDC).

No entanto, o CDC é norma abrangente de toda a relação de consumo, enquanto a lei do inquilinato se particulariza na relação da locação imobiliária.

Igual teor possui o entendimento de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin:
É de grande a importância da aplicação do CDC aos contratos de locação em virtude de sua relevância social e de extrema vulnerabilidade fática, que se encontra o indivíduo ao necessitar alugar um imóvel para sua moradia e de sua família, tal vulnerabilidade aliada a um mercado de oferta escassa, parece incentivar práticas abusivas, na contratação (cobrança de taxas abusivas, por ex.) e na elaboração unilateral dos contratos; o fenômeno é mundial. [7]
3.2 DA APLICAÇÃO DO CDC AO CONTRATO IMOBILIÁRIO DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL URBANO SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA
Na jurisprudência houve acenos de vários Tribunais em aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação de imóveis residenciais urbanos, conforme se verifica do julgado abaixo esposado:

RESP. CIVIL. LOCAÇÃO. BENFEITORIA NECESSÁRIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. A benfeitoria necessária é indenizável. O Código de Defesa do Consumidor veio amparar a parte mais fraca nas relações jurídicas. Nenhuma decisão judicial pode amparar o enriquecimento sem justa causa. Toda decisão há de ser justa.” – Resp.n.90.366 – MG (96.0016186-0) – DJ, 02.06.1997)

Entretanto, recentemente, o Egrégio Superior Tribunal passou a se inclinar negativamente à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação imobiliário residencial:

CIVIL.  LOCAÇÃO.  MULTA.  CÓDIGO  DE  DEFESA DO  CONSUMIDOR.  INAPLICABILIDADE.  AGRAVO REGIMENTAL.
São  inaplicáveis  às  relações  locatícias  as  normas  sobre multa do Código  de Defesa  do Consumidor.

Agravo  desprovido.[8]

CIVIL.  LOCAÇÃO.  FIANÇA.  RENÚNCIA  DO DIREITO  A  EXONERAÇÃO.  MULTA  CONTRATUAL. REDUÇÃO.  CÓDIGO  DE  DEFESA  DO  CONSUMIDOR. LEI 8.070/90  - INAPLICABILIDADE.
1.  Não  podem  exonerar-se  da  obrigação  os  fiadores que  manifestaram  expressa  renúncia  ao  direito  estipulado no CC,  art.  1.500.  Mesmo  que  o contrato  tenha se tornado por  tempo  indeterminado,  se  expressamente  anuído  pelos fiadores;

2.  Não  se  aplica  às  locações  prediais  urbanas reguladas  pela lei 8.245/91,  o Código  do Consumidor.
3. Recurso  Especial  conhecido  e provido.[9]


LOCAÇÃO.  DESPESAS  DE  CONDOMÍNIO.  MULTA. CÓDIGO  DE  DEFESA  DO  CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE.
I  -  As  relações  locatícias  possuem  lei  própria  que  as regule.  Ademais,  falta-lhes  as  características  delineadoras da relação  de  consumo  apontadas  nos  arts.  2º  e 3º  da  Lei nº  8.078/90.  O  Código  de  Defesa  do  Consumidor  não  é aplicável  no  que  se  refere  à  multa  pelo  atraso  no pagamento  de aluguéis.
II  -  Em  caso  de  decisão  condenatória,  os  honorários advocatícios  devem  ser  fixados  com  base  na regra  do  art. 20,  parágrafo  3º,  do  CPC,  e  não  sobre  o  valor  da  causa, cabendo  ao  magistrado  unicamente  definir  o  percentual dentro  dos parâmetros  ali estabelecidos.  Recurso  provido.[10]


AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO À INDENIZAÇÃO DE BENFEITORIAS. QUESTÕES FÁTICAS.
EXAME DE CLÁUSULA CONTRATUAL. SÚMULAS N. 5 E 7 DO STJ. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE EM RELAÇÃO LOCATÍCIA.
-  É inviável o reexame de matéria fática constante dos autos, tendo em vista o óbice contido no verbete Sumular n. 07/STJ, bem como a interpretação de cláusulas contratuais nesta seara recursal.
-  É cediço que, em relação locatícia regida pela Lei n. 8.245/91, não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que esta relação está regulada por lei específica.
- Agravo regimental improvido.[11]

Assim ao contrário da quase totalidade da doutrina, o E. Superior Tribunal de Justiça entende que o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável a contratos de locação, sob o argumento de estarem regidos por lei própria.

3.3 A TEORIA DO DIÁLOGOS DAS FONTES COMO UMA DAS BASES À APLICAÇÃO DO CDC AOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO IMOBILIÁRIO RESIDENCIAL URBANO
Segundo o professor Flávio Tartuce[12], a Teoria do Diálogo das Fontes foi desenvolvida na Alemanha por Erik Jayme, professor da Universidade de Helderberg, e trazida ao Brasil por Claudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A essência da teoria é que as normas jurídicas não se excluem – supostamente porque pertencentes a ramos jurídicos distintos –, mas se complementam. Há, nesse marco teórico, a premissa de uma visão unitária do ordenamento jurídico.

Prossegue Tartuce:
Pois bem, Claudia Lima Marques demonstra três diálogos possíveis a partir da teoria exposta, diante do modelo brasileiro de coexistência e aplicação simultânea do Código de Defesa do Consumidor, do Código Civil de 2002 e da legislação especial.

De início, em havendo aplicação simultânea das duas leis, se uma lei servir de base conceitual para a outra, estará presente o diálogo sistemático de coerência. Como exemplo, os conceitos e as regras básicas relativas aos contratos de espécie podem ser retirados do Código Civil mesmo sendo o contrato de consumo. Tal premissa incide para a compra e venda, para a prestação de serviços, para a empreitada, para o transporte, para o seguro, entre outros.

Ato contínuo, se o caso for de aplicação coordenada de duas leis, uma norma pode completar a outra, de forma direta (diálogo de complementaridade) ou indireta (diálogo de subsidiariedade). (...). Em relação às cláusulas abusivas, pode ser invocada a proteção dos consumidores constante do art. 51 do CDC e ainda a proteção dos aderentes constante do art. 424 do CC.

Por fim, os diálogos de influências recíprocas sistemáticas estão presentes quando os conceitos estruturais de uma determinada lei sofrem influências da outra. Assim, o conceito de consumidor pode sofrer influências do Código Civil de 2002. Como afirma Claudia Lima Marques, “é a influência do sistema especial no geral e do geral no especial, um diálogo de doublé sens (diálogo de coordenação e adaptação sistemática).

A busca de um prazo maior, previsto no Código Civil, para demanda proposta pelo consumidor constitui exemplo típico de incidência concomitante do segundo e do terceiro diálogo, uma vez que o Código do Consumidor não prevê prazo específico para a ação fundada em inscrição indevida em cadastro de inadimplementes. Não se pode socorrer diretamente ao art. 27 do CDC, que consagra prazo de cinco anos para a ação de reparação de danos em decorrência de acidente de consumo, pois tal comando não se enquadra perfeitamente à fattispecie. Dessa forma, o melhor caminho é de incidência do prazo geral de prescrição, de dez anos, consagrado pelo art. 205 do Código Civil de 2002.
Jose Ricardo Alvarez Vianna[13] esclarece que “para que este diálogo ocorra e resulte em bons frutos é indispensável aquilatar o núcleo essencial que caracteriza e qualifica o bem jurídico, objeto da controvérsia, e, ato contínuo, mediante uma análise sistemática, finalística, contextual (e não apenas textual), seja verificado qual norma jurídica melhor atende ao conteúdo, que concretiza e materializa a finalidade do desse bem jurídico”.

3.4 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR COMO NORMA COMPLEMENTADORA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTIGO 5º, XXXII, DA CF), ADQUIRINDO STATUS CONSTITUCIONAL. CDC QUE NÃO PODE SER DERROGADO PELA LEI DO INQUILINATO, DEVENDO SER APLICADO AOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO RESIDENCIAL
Por outro lado, há ainda autores que entendem não haver antinomia entre as referidas leis ordinárias, sob o argumento de que o CDC complementa o texto da Constituição Federal, não havendo como a Lei do Inquilinato pretender revogar ou diminuir a incidência do CDC, sob pena de estar retirando a efetividade de uma norma constitucional.

Prossegue José Ricardo Alvarez Vianna, e cita as palavras de Marco Fábio Morsello:

Sob a ótica constitucional, a defesa do consumidor foi considerada direito fundamental (CF, art. 5°, XXXII), de modo que a existência de norma em antinomia com aquelas que tenham implementado a mencionada defesa naturalmente não poderá prevalecer, levando-se em conta a força normativa que promana da Constituição Federal, ensejando, pois, preponderância, inclusive sob o critério hierárquico.

Diz o artigo 5º, XXXII da Constituição Federal:
Art. 5º, XXXII - O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Este também o é o entendimento esposado pelo ínclito Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, Publicado na Revista Jurídica nº 263, p. 78:

O CDC é norma que complementa a Constituição Federal. O comando inicial da lei protetiva do consumo localiza-se no texto constitucional. A lei ordinária é o instrumento normativo para que haja efetividade da norma constitucional. O artigo 5º, XXXII, da CF regra que "o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". O texto constitucional complementado pela lei de consumo codificada dá vida a uma garantia constitucional. Inclusive, a relevância da lei de consumo é atestada no ADCT, quando se fixou prazo para que o Congresso Nacional editasse o Código do Consumidor (art. 48). Tal inocorre com a Lei de Locação, que é, formal e substancialmente, ordinária.

Repete-se, sob outra visão, o argumento. A garantia constitucional do inciso XXXII do artigo 5º é um nada normativo, destituída da lei ordinária que a complementa. A dimensão protetiva do consumidor é na forma da lei. Sem esta, não há limite máximo, médio ou mínimo de tutela; em outras palavras, não há a proteção proposta constitucionalmente. Assim, a lei ordinária que dá vida a texto constitucional não tem a mesma natureza, substancialmente vista, que a lei ordinária que não se vincula diretamente à norma constitucional. Há uma diferença entre ambas, face ao reflexo de constitucionalidade que lhe dá a norma matriz.

Outro trecho do mesmo artigo vale a transcrição pelo brilhantismo e esclarecedor argumento sobre o tema:
Embora a doutrina não dê ênfase, com a necessária desenvoltura,  para este aspecto importante na teoria das leis, não parece correto que uma lei ordinária, inclusive substancialmente, esteja no mesmo grau hierárquico de outra que complemente um texto constitucional, a ponto de a primeira, revogando ou diminuindo a incidência da segunda, estar indiretamente tirando a efetividade total ou parcial de uma norma constitucional. E esta é a realidade. A efetividade da norma constitucional se assenta na existência de lei ordinária complementadora. Enquanto ela vige, tem vida e aplicação plena a norma constitucional. Desaparecendo a norma complementar do mundo jurídico, a norma constitucional adormece, perde sua operância, afigura-se como simples regra programática.
(...)
A doutrina especializada em legislação de consumo apóia este entendimento. ARRUDA ALVIM e outros (Código do Consumidor Comentado, p. 74, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, 1995) assim argumentam: "Doutra parte, a lei federal posterior ao advento deste Código, que em função de encontrar-se em um mesmo nível hierárquico, poderia revogar as disposições desta lei, somente terá validade se constitucional, ou seja, se respeitar os mandamentos constitucionais de defesa do consumidor, visto consagrar a Constituição a defesa do consumidor entre os direitos e deveres individuais e coletivos..."
A questão constitucional permite outro enfoque. Enfatiza-se a afirmação de VICENTE RÁO, já referida supra, de que as leis que complementam a Constituição, embora ordinárias, aderem a ela e nela se integram. Em outras palavras, a complementariedade, por trazer sua eficácia de norma constitucional e dar a esta a efetividade pretendida pela Constituição, passa a ter a mesma natureza jurídica que a norma constitucional tem. Materialmente, existem a norma constitucional e a lei que, a complementando, lhe dá eficácia. Substancialmente, a garantia constitucional é única. Preenchida pela complementação, é a norma constitucional que está em vigor.

O artigo 5º, XXXII, da CF, raiz do Código de Defesa do Consumidor, está localizado na área das garantias constitucionais, como direito e garantia individual. Isto permite sua categorização como cláusula pétrea. Compreende-se-a como aquele tema constitucional que, tendo configuração de estabilidade e perenidade, não pode ser derrogado pelo ordenamento jurídico vigente. Assim, nem emenda constitucional pode aboli-la, ou iniciar processo de abolição. É a regra do artigo 60, § 4º, da CF: "Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais". A vedação é por demais evidente.
(...)

A esta altura da exposição, o confronto das soluções se demonstra com toda clareza e objetivamente. Situando-se, exclusivamente, na área infraconstitucional, há razoável sustentação da tese de que o CDC não alcança as relações jurídicas ex locato. Há, sem dúvida, uma aparência de exatidão na conclusão exposta. Lei ordinária em confronto com outra da mesma natureza, há prevalência da lei mais moderna. Alargando, porém, a interpretação e se ingressando, tecnicamente, na área constitucional, a solução é bem outra. A Lei de Locação invadiu competência alheia e dispôs substancialmente com ofensa a texto constitucional. Entre as duas soluções, não se pode priorizar a infraconstitucional, relegando a segundo plano a constitucional. Pelo menos, no tradicional ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme o exposto, deixando de lado a Teoria do Diálogo das Fontes, se entender-se o CDC como norma ordinária e infraconstitucional, portanto, apenas, seria viável o entendimento de aplicação da Lei do Inquilinato, mais moderna que o CDC. Entretanto, se entendermos o CDC como norma complementadora da Constituição Federal, o mesmo a ela aderirá, passando a ter a mesma natureza jurídica que tem a norma constitucional, estando, portanto, hierarquicamente superior à Lei do Inquilinato.


4 CONCLUSÃO
De todo o exposto sobre o controverso tema de aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação residencial urbano e com o devido respeito ao entendimento esposado nos julgados do E. Superior Tribunal de Justiça, ousamos do mesmo discordar e afirmar, sem sombra de dúvida, que a aplicação do CDC é plenamente viável por vários motivos, dos quais salientamos dois.

Primeiro, pelo fato de que para dirimir conflitos ou antinomias entre diplomas legais, existe a Teoria do Diálogo das Fontes, importada do Direito Alemão, a qual permite que o aplicador do direito sopese as leis aplicáveis à espécie, as quais não se excluem, mas se complementam, e, mediante uma análise contextual, verificar-se qual norma jurídica melhor atende ao conteúdo, que concretiza e materializa a finalidade do desse bem jurídico a ser tutelado.

Assim, os diplomas legais não se revogariam ou se excluiriam, mas, sim, complementar-se-iam, de modo a facilitar a melhor aplicação do direito, permitindo-se a aplicação do CDC aos contratos imobiliários de locação residenciais urbanos.

Segundo, pelo fato de que se tomarmos como norte o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é norma que complementa a Constituição Federal (inciso XXXII do artigo 5º), concluir-se-á que o CDC, embora lei ordinária, adere a ela e nela se integra.

Conclusão lógica que se chega é que se o CDC adquiriu status constitucional, não estará no mesmo grau hierárquico de uma lei ordinária, no caso, a Lei do Inquilinato, razão pela qual, de modo nenhum pode esta última revogar ou diminuir a incidência da primeira (CDC), sob pena de estar indiretamente tirando a efetividade total ou parcial de uma norma constitucional

4 CONCLUSÃO

De todo o exposto sobre o controverso tema de aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de locação residencial urbano e com o devido respeito ao entendimento esposado nos julgados do E. Superior Tribunal de Justiça, ousamos do mesmo discordar e afirmar, sem sombra de dúvida, que a aplicação do CDC é plenamente viável por vários motivos, dos quais salientamos dois.

Primeiro, pelo fato de que para dirimir conflitos ou antinomias entre diplomas legais, existe a Teoria do Diálogo das Fontes, importada do Direito Alemão, a qual permite que o aplicador do direito sopese as leis aplicáveis à espécie, as quais não se excluem, mas se complementam, e, mediante uma análise contextual, verificar-se qual norma jurídica melhor atende ao conteúdo, que concretiza e materializa a finalidade do desse bem jurídico a ser tutelado.
Assim, os diplomas legais não se revogariam ou se excluiriam, mas, sim, complementar-se-iam, de modo a facilitar a melhor aplicação do direito, permitindo-se a aplicação do CDC aos contratos imobiliários de locação residenciais urbanos.

Segundo, pelo fato de que se tomarmos como norte o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é norma que complementa a Constituição Federal (inciso XXXII do artigo 5º), concluir-se-á que o CDC, embora lei ordinária, adere a ela e nela se integra.
Conclusão lógica que se chega é que se o CDC adquiriu status constitucional, não estará no mesmo grau hierárquico de uma lei ordinária, no caso, a Lei do Inquilinato, razão pela qual, de modo nenhum pode esta última revogar ou diminuir a incidência da primeira (CDC), sob pena de estar indiretamente tirando a efetividade total ou parcial de uma norma constitucional.


Ponto finalizando, pelo fato de o artigo 5º, XXXII, da Constituição Federal ser o princípio do Código de Defesa do Consumidor, e estar situado entre as garantias constitucionais, como direito e garantia individual, pode ser considerado como cláusula pétrea, não podendo ser derrogado pelo ordenamento jurídico vigente.
Tal inocorre com a Lei de Locação, que é, formal e substancialmente, ordinária, pois considerando-se o CDC como complemento da Constituição, a conclusão a que se chega utilizando-se dos esclarecimentos da doutrina acima esposada é que a Lei de Locação invadiu competência alheia e dispôs substancialmente com ofensa a texto constitucional e entre os dois diplomas legais, não se pode priorizar o infraconstitucional, relegando a segundo plano o constitucional.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BRASIL. Lei 8245. 18 out. 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Disponível em . Acesso em: 18 nov. 2012.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 0008126-74.2008.8.26.0417, 27ª Câmara Cível, Relator Des. Cláudio Hamilton. j. 18.09.2012. Disponível em: . Acesso em 23 dez. 2012.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 266625/GO (2000/0069155-0), 5ª Turma, Relator Ministro Edson Vidigal. j. 16.10.2000. Disponível em: . Acesso em 23 dez. 2012.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1259210 / RJ (2011/0061964-0), 3ª Turma, Relator Ministro Massami Uyeda. j. 26.06.2012. Disponível em: . Acesso em 23 dez. 2012.

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VIANNA, José Ricardo Alvarez. A teoria do diálogo das fontes. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2755, 16 jan. 2011. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2013.
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Notas
[1] TJSP - Apelação Cível nº 0008126-74.2008.8.26.0417, 27ª Câmara de Direito Privado, v.u., Rel. Cláudio Hamilton, DJ 18.09.2012.

[2] Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma, REsp 1259210 / RJ (2011/0061964-0), RELATOR : MINISTRO MASSAMI UYEDA, DJ 26.06.2012.

[3] JUSEFOVICZ, Eliseu. Proteção contra cláusulas abusivas nos contratos civis e empresariais:Dissertação submetida à Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em Direito. Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2012.

[4] TJSP - Apelação Cível com Revisão nº 9169553-77.2009.8.26.0000, 33ª Câmara de Direito Privado, v.u., Rel. Luiz Eurico, DJ 5.03.2012.

[5] MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4ª ed. ver. atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2002, PP. 361/362.

[6] TAVARES, Zilda. Aplicação do código de defesa do consumidor nas relações locatícias residenciais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, X, n. 45, set 2007. Disponível em: . Acesso em nov. 2012.

[7] BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcelos, Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. São Paulo: Forense Universitária, 1991, p. 251.

[8] AgRg  no Ag  nº 402.029/MG,  Relator  o Ministro  GILSON DIPP, DJU de 4/2/2002.

[9] RESP 266625/GO, DJ de 16/10/2000, Rel. Ministro Edson Vidigal.

[10] RESP 262620/RS, DJ de 02/10/2000, Rel. Min. Félix Fischer.

[11] AgRg no Ag 363679/MG, DJ 03/11/2005, Rel. Ministro Hélio Quaglia Barbosa.

[12] TARTUCE, Flávio. O prazo para reparação de danos por inscrição indevida do consumidor em cadastro de inadimplentes. Disponível em: . Acesso em dez. 2012.

[13] VIANNA, José Ricardo Alvarez. A teoria do diálogo das fontes. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2755, 16 jan. 2011 . Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2013.


Rodrigo César Faquim
Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo, sob o n. 182.960, Subseção de Tupã/SP; Graduado na Faculdade de Direito da Alta Paulista ; Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina, Instituto LFG e IBDP ; Pós-graduando em Direito do Consumidor pela Universidade Anhanguera-UNIDERP e Instituto LFG ; Pós-graduando em Direito Civil, Negocial e Imobiliário pela Universidade Anhanguera-UNIDERP e Instituto LFG .



quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise doutrinária



Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise doutrinária


Saul José Busnello | Jair Weinrich - Elaborado em 05/2013.

Os tribunais superiores têm feito referência à teoria da chance perdida. Em alguns casos, calcula-se corretamente a indenização na medida da probabilidade que a vítima possuía de auferir vantagem ou evitar prejuízo. Em outros, as decisões são equivocadas por determinar a indenização por lucros cessantes ou danos morais.


Resumo: A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance, originária do direito francês – perte d´une chance –, também aplicada na Itália e nos Estados Unidos da América, entre outros, visa proteger as vítimas que sofrem danos decorrentes de conduta ilícita e antijurídica, comissiva ou omissiva, culposa ou dolosa, sendo-lhes retirada a chance de obter lucro ou evitar prejuízo. Tanto no direito francês, quanto no italiano, uma cláusula geral de responsabilidade civil permite a aplicação da teoria, sem que seja necessária qualquer alteração legislativa na norma. No Brasil, o Código Civil de 2002, da mesma forma que na França e na Itália, apresenta cláusula semelhante, possibilitando a ampla reparação civil pelos danos causados a outrem, abarcando dessa forma, a chance perdida. Para que seja possível a aplicação da teoria, é fundamental que os elementos da responsabilidade civil estejam presentes, quais sejam, a conduta humana, o dano e o nexo de causalidade, sendo que este, pode ser apresentado numa visão menos ortodoxa daquela normalmente aplicada aos demais casos de indenização. A chance perdida indenizável não é aquela oriunda de mera expectativa de um ganho futuro hipotético. Ela deverá ser séria e real e estar definitivamente incorporada ao patrimônio pessoal da vítima, sendo estatisticamente comprovável. Sua perda causa um prejuízo mensurável, gerando para o sujeito causador do dano, a obrigação de indenizar. Nos casos de perda de uma chance, o que se busca, é recompor o patrimônio da vítima, na exata dimensão do dano, provado por um liame necessário, valorado pelo magistrado, segundo critérios de razoabilidade, proporcionalidade e equidade.

Palavras-chave: Direito Civil brasileiro. Responsabilidade civil. Perda de uma chance. Dano. Indenização. Profissionais liberais.

1.INTRODUÇÃO
A vida contemporânea tem possibilitado às pessoas relacionarem-se de uma forma jamais imaginada em eras passadas. Os relacionamentos, tanto pessoais, quanto comerciais, têm atingido elevado grau de interação, levando a inúmeras possibilidades. Outrossim, na mesma proporção, tem crescido o número de eventos danosos, fazendo surgir novas espécies de danos. Nesta seara, a partir do século XIX, desenvolveu-se no ordenamento jurídico francês, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência daquele país, a possibilidade de indenizar a chance perdida, que poderia, dentro de um juízo de probabilidades matemáticas, auferir à vítima, lucro, ou, pelo menos, evitar um prejuízo. A responsabilidade civil, atenta ao desenvolvimento da civilização, visando à pacificação social, bem como retornar à vítima, ao statu quo ante, abarcou esta nova espécie de dano, a perda de uma chance, e comina ao agente que causa prejuízo a outrem, a aplicação de uma sanção consubstanciada em indenização. Dessa forma, tanto o agente, quanto a sociedade em geral, tem a certeza de que essa espécie de dano não ficará sem reparação, dando à punição, nesses casos, um escopo em forma de prevenção, cumprindo seu papel social.
O estudo da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance é relevante para o ordenamento jurídico pátrio, uma vez que o instituto da responsabilidade civil evolui com a sociedade e o dano causado pela chance perdida urge apresentar uma resposta, a fim de indenizar a vítima pelo prejuízo suportado. Começam a surgir decisões esparsas na jurisdição civil contenciosa brasileira, porém algumas carecem de fundamento jurídico-normativo para uma maior segurança jurídica, a fim de estender sua aplicação de modo uniforme para todos os recantos, mesmo os mais longínquos do país.
Essa teoria apresenta uma nova forma de indenizar as vítimas, pelos danos sofridos em decorrência de atos ilícitos, apesar de alguns julgados nacionais a terem classificado, ora como dano emergente, lucro cessante, ou mesmo a título de dano moral. A partir de uma ampla disseminação da teoria, espera-se que sua aplicação se dê de forma correta, para que o quantum indenizatório se aproxime do valor a que faz jus a vítima.


2.RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil tem ganhado destaque na seara jurídica nas últimas décadas, principalmente pelo aumento do grau de complexidade das relações humanas e do avanço tecnológico que a todos atinge. Surgem novas formas de se responsabilizarem as pessoas pelos seus atos, sejam eles comissivos ou omissivos, culposos ou dolosos. O dinamismo da vida moderna exige a ampliação da obrigação de indenizar, de modo que nenhum lesado fique sem o ressarcimento adequado pelo dano sofrido. Sobre o aumento do potencial lesivo da sociedade e, por conseguinte, a responsabilização civil do lesante, Mamede (2011, p. 719), informa:
A primeira causa da expansão da responsabilidade civil é aquela que diz respeito ao aumento do potencial lesivo da sociedade. A continuada evolução tecnológica produz, como contrapartida, o inevitável aumento da capacidade que uma sociedade possui de causar danos. [...] a sociedade contemporânea experimenta uma progressão acentuada em sua potencialidade lesiva, como fruto não apenas da massificação da vida social, mas também das constantes novidades científicas e tecnológicas.
A tecnologia e o seu constante desenvolvimento, ao mesmo tempo em que facilita a vida das pessoas, acentuando a crescente interação social, quer no recesso de seus lares, quer na sociedade, apresenta um lado negativo, ao potencializar a capacidade humana para lesar o semelhante, o que tem causado sobremaneira o aumento da responsabilidade civil. A partir desse ponto de vista, constata-se na prática forense, um aumento significativo e inevitável do número de ações de indenização por danos causados, sejam eles materiais ou morais.
Na sociedade contemporânea, a responsabilidade civil é vislumbrada sob a ótica de algumas tendências. Uma delas, é a quantificação de danos indenizáveis que decorre diretamente da difusão da tecnologia e das relações da vida social; a objetivação da responsabilidade civil, outra tendência, provém do aumento de atividades, produtos e serviços que apresentam em seu cerne, um alto potencial lesivo, um risco que deve ser suportado por quem os desenvolve, apresenta à sociedade e lucra com eles; como terceira tendência, tem-se a coletivização de danos que é oriunda da atividade securitária, que visa amenizar os efeitos das ações de risco, a fim de garantir que elas continuem a serem desenvolvidas e postas à disposição da coletividade, sendo que os custos são por ela suportados.
Presume-se que os indivíduos nas suas relações interpessoais, atuarão seguindo o princípio da boa-fé objetiva, seja nas interações contratuais ou não. Esperam-se atitudes leais, o que vem a contribuir para que o liberalismo, tanto econômico quanto jurídico, dê espaço às relações em que a dignidade da pessoa humana seja o objetivo a perseguir, de forma que a confiança seja regra e o cuidado com os direitos e interesses de outrem, um agir comum. Nessa esteira, Rossi (2007, p. 3), assevera que, em verdade, problema da responsabilidade civil está voltado à reação ou mesmo à consequência jurídica gerada por uma ação, omissão, risco considerado, ilicitude, muitas vezes licitude do ato praticado, negativa de um direito assegurado, fornecimento de algo inadequado, má ou insuficiente prestação de serviço, bem como qualquer outra fonte geradora de responsabilização do agente causador do evento.
A responsabilidade é consequência de um ato que, via de regra, é contrário ao pactuado contratualmente, ou aos princípios norteadores do Direito. Essa ação ou omissão sempre deve estar ligada a um dano para que seja caracterizada e enseje a reparação do prejuízo. Seguindo por esse caminho, Sergio Cavalieri Filho (2003 citado por ROSSI, 2007, p. 12), afirma que “Quem infringe dever jurídico lato sensu, de que resulte dano a outrem fica obrigado a indenizar. Esse dever, passível de violação, pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, ou, por outro lado, pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei”.
Todo agir humano resulta numa consequência social e jurídica. Atitudes leais originam respostas igualmente adequadas ao viver em sociedade. Aquele que causa dano ou prejuízo a outrem, deve assumir as consequências de seus atos. Para toda obrigação inadimplida, tem-se um dever sucessivo, qual seja, a responsabilidade. A obrigação a que as pessoas estão sujeitas, respeita o princípio que prescreve que a ninguém se deve lesar, em prol da liberdade individual e de uma vida regrada em sociedade, em que todos devem ser cumpridores dos seus deveres e assim, desse modo, as interações sociais são possíveis e fomentadas para a construção de um viver digno e livre.

Para Schmitt (2010, p. 11), “a característica fundamental da responsabilidade civil é a busca da paz social, através da erradicação do dano. Sua finalidade é recompor o equilíbrio afetado”. Para o pensamento coletivo em geral, garantir o respeito à esfera jurídica das pessoas, proporcionando a recomposição dos prejuízos sofridos em virtude de uma conduta ilícita, sendo esses danos materiais ou morais, constitui-se a função primeira da responsabilidade civil, pois esta gera, na sociedade, segurança jurídica, ordem e paz social, bem como proteção à vida, cuja harmonia, sendo rompida, há que se ter a possibilidade de reestruturação e recomposição.


3.TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
O agir humano traz inúmeras situações que podem causar perdas às pessoas e, vez por outra, alguém se vê privado da oportunidade de obter uma determinada vantagem ou de evitar um prejuízo. De acordo com Savi (2009, p. 1), “os exemplos são vários e muito frequentes no dia a dia. Dentre os exemplos mais conhecidos pode-se citar o clássico do advogado que perde o prazo para interpor o recurso de apelação contra a sentença contrária aos interesses de seu constituinte”.
O sistema jurídico classifica os danos de acordo com as suas características, o que facilita, tanto a prova da extensão desse dano, quanto o arbitramento da indenização devida. Entre as espécies de dano, tem-se, do direito francês, a responsabilidade civil pela perda de uma chance. Nas palavras de Cavalieri Filho (2010, p. 77), a perda de uma chance caracteriza-se quando “em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado [...]”. De acordo com Rosário (2009, p. 133):
A perda de uma oportunidade ou chance constitui uma zona limítrofe entre o certo e o incerto, o hipotético e o seguro; tratando-se de uma situação na qual se mede o comportamento antijurídico que interfere no curso normal dos acontecimentos de tal forma que já não se poderá saber se o afetado por si mesmo obteria ou não obteria os ganhos, ou se evitaria ou não certa vantagem, mas um fato de terceiro o impede de ter a oportunidade de participar na definição dessas probabilidades.
O termo chance significa em sentido jurídico, a probabilidade de obter um lucro ou de evitar uma perda. De acordo com Savi (2009, p. 3), “a melhor tradução para o termo chance seria, em nosso sentir, oportunidade. [...] não obstante, entendermos mais técnico e condizente com o nosso idioma, a expressão perda de uma oportunidade”. Corroborando com essa posição, Venosa (2012, p. 308), afirma que “chance é termo admitido em nosso idioma, embora possamos nos referir a esse instituto, muito explorado pelos juristas franceses, como perda de oportunidade ou de expectativa”. Por estar consagrada tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, é mais comum utilizar a expressão “perda de uma chance”. Para Carlos Roberto Gonçalves (2007 citado por SCHMITT, 2010, p. 81), a responsabilidade pela perda de uma chance “consiste na interrupção, por um determinado fato antijurídico, de um processo que propiciaria a uma pessoa a possibilidade de vir a obter, no futuro, algo benéfico, e que, por isso, a oportunidade ficou irremediavelmente destruída. Frustra-se a chance de obter uma vantagem futura. Essa perda de uma chance, em si mesma, caracteriza um dano, que será reparável quando estiverem reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil”.
Um ato ilícito interrompe abruptamente o modus vivendi da vítima, de tal sorte que lhe frustra uma oportunidade de obter um benefício, sendo que, nesse caso, a indenização devida se dá pela chance perdida e não pela vantagem final esperada. Cavalieri Filho (2010, p. 77), informa que “deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda”. Para esse autor, deve-se olhar para a chance, como a perda de uma probabilidade de que um determinado resultado – aumento de patrimônio ou não ocorrência de dano – venha a ocorrer, e não como a perda da própria oportunidade, pois, dessa forma, estar-se-ia diante de um dano emergente, uma vez que não se tem a certeza de que o evento irá se concretizar. Acerca da conceituação da perda de uma chance, Venosa (2012, p. 39), esclarece:

Quando vem à baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance ocorre a frustração na percepção desses ganhos. A indenização deverá fazer uma projeção dessas perdas, desde o momento do ato ou fato jurídico que lhe deu causa até um determinado tempo final, que pode ser uma certa idade para a vítima, um certo fato ou a data da morte. Nessas hipóteses, a perda da oportunidade constitui efetiva perda patrimonial e não mera expectativa.
A perda da chance pode ser considerada como um dano presente, sendo que ela normalmente é perdida no exato momento em que se verifica a conduta humana danosa. Nesse sentido, os irmãos Mazeaud (1978 citados por SILVA, 2009, p. 111), afirmam que “a chance se isola como um tipo de propriedade anterior da vítima e que é definitivamente perdida por ela, pelo ato ilícito do réu”.
Para se falar em perda de uma chance, há que se ter um prejuízo de ordem material ou moral, passível de prova, oriundo de um ato ilícito não fictício. A valoração da indenização será arbitrada através de cálculo que pondera o quanto essa possibilidade era séria e real para se realizar, e não pela própria vantagem. De acordo com as palavras de Silva (2009, p. 12), pode-se dizer que sempre será possível observar, nos casos de responsabilidade pela chance perdida “uma ‘aposta’ perdida por parte da vítima. Tal aposta é uma possibilidade de ganho; é a vantagem que a vítima esperava auferir, como a procedência da demanda judicial, a obtenção do primeiro prêmio da corrida de cavalos, ou a sobrevivência no caso do parto”. A vítima, antes do evento danoso, estava num processo aleatório e que contava com alguma chance de ser beneficiada por uma vantagem futura, caso nada interrompesse a sequência natural dos fatos. 

Havendo um ato ilícito que lhe causa a perda dessa probabilidade de sucesso, poderá pleitear indenização, uma vez que através de cálculos matemáticos estatísticos, pode-se valorar a chance perdida, dando-lhe uma condição de certeza.

3.1 Chance efetiva incorporada ao patrimônio do sujeito de direitos ou mera expectativa

Da mesma forma que os demais elementos da responsabilidade civil, para a adoção dessa teoria, pressuposto fundamental é a análise que se faz da chance perdida. Nas palavras de Schmitt (2010, p. 81), “esta chance, no entanto, deve ser séria e real, e não apenas especulativa e abstrata”. De acordo com as palavras de Cavalieri Filho (2010, p. 77):
É preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. A vantagem esperada pelo lesado não pode consistir numa mera eventualidade, suposição ou desejo, do contrário estar-se-ia premiando os oportunismos, e não reparando as oportunidades perdidas.

Não se pode falar em indenizar, diante de especulações, suposições ou meros desejos da suposta vítima, pois, se assim o fosse, oportunistas de plantão alimentariam uma fábrica de danos inexistentes, deixando a jurisdição de buscar a reparação de prejuízos efetivamente ocorridos em virtude de chances perdidas. Seguindo por esse caminho, o Superior Tribunal de Justiça (2012), assevera:
Não é rara a dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Quanto a este ponto, a ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça [2012]).
Para que seja plenamente reparável a chance perdida, imprescindível que ela seja “revestida de uma camada de certeza”. Simples esperanças subjetivas não deverão ser dignas de apreciação pelo Poder Judiciário, sob pena de se subverter a real intenção da teoria. Para Venosa (2012, p. 308), “se a possibilidade frustrada é vaga ou meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade. A ‘chance’ deve ser devidamente avaliada quando existe certo grau de probabilidade, um prognóstico de certeza [...]”. Não se pode afirmar que toda chance perdida deva ser indenizada, apenas as sérias e reais, com grande possibilidade de vir a resultar em vantagem econômica, gerando aumento de patrimônio ou a não diminuição deste.

3.2 Aplicação da teoria
A perda de uma chance possui duas vertentes a considerar: um ato ilícito retira da vítima a possibilidade de auferir uma vantagem no futuro e, um ato ou omissão permitem que um prejuízo ocorra, ou seja, poderia ser evitado, mas não foi. Nessa esteira, tem-se o posicionamento de Gisela Sampaio da Cruz (2008 citada por SAVI, 2009, p. 46):
“[...] enquanto na perda de uma chance clássica o dano decorre do evento danoso que interrompeu o processo em curso, no caso da perda de uma chance de evitar um prejuízo que já aconteceu o dano surge exatamente porque o processo em curso não fora interrompido, quando podia tê-lo sido feito. Se o processo tivesse sido interrompido, haveria a possibilidade – isto é, a chance – de o dano não se verificar. Então, ao contrário dos casos clássicos de perda de uma chance, aqui as chances não estão mais relacionadas a algo que poderia vir a acontecer no futuro, antes são atinentes a algo que podia ter sido feito no passado, para evitar o dano verificado. Tem-se conhecimento de que ocorreu um dano por força de determinada cadeia causal; o que se indaga é se o dano poderia ter sido evitado, caso tivessem sido adotadas certas providências que interromperiam o processo em curso”.

Existem diversas situações no cotidiano das pessoas que podem ensejar ação de reparação de danos por perda de uma chance. Savi (2009, p. 89), transcreve parcialmente o voto [vencido] do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, do STJ, na apreciação do REsp. nº 57.529-DF, Quarta Turma, relator Ministro Fontes de Alencar, julgado em 07/11/1995, a saber:

“A autora pretende a indenização pela perda da chance. O tema tem sido versado em outros países, especialmente na França, onde a doutrina, incentivada por decisões da Corte de Cassação, admite a necessidade de ser responsabilizado o autor da ação ou da omissão que causa a outrem a perda de uma oportunidade real de alcançar uma vantagem ou evitar um prejuízo, nas mais diversas situações jurídicas, seja no tratamento médico, na disputa judicial, na vida social, profissional ou comercial. A jurisprudência francesa registra inúmeros precedentes: perda da chance de ser laureado pela pintura não exposta a tempo por culpa do transportador; perda da chance de um proveito na bolsa por causa da execução tardia de ordem pelo agente de câmbio; perda da chance de melhoria na carreira; perda da chance de ganhar um processo por incompetência do advogado ou falta de recurso; perda da chance de obter um emprego pela liberação tardia do diploma; perda da chance de prosseguir nos trabalhos de laboratório etc”.
A perda da chance, geradora do dano material, também pode determinar a configuração do dano moral, pela frustração da possibilidade de ganho futuro. Nos casos em que faltam requisitos à correta configuração do dano patrimonial, resta pleitear indenização por dano moral, em virtude de abalo psíquico sofrido. Não é passível de aceitação, que a perda de uma chance configure, mormente, apenas o dano moral, pois, presentes os requisitos exigidos para a sua ocorrência, tem-se um dano de ordem patrimonial, classificado como uma (sub)espécie de dano emergente, sendo que o prejuízo ocorreu no momento em que se deu a conduta humana lesiva e ilícita. Nas palavras de Savi (2009, p. 101), “se o dano material causado pela perda da chance enquadra-se no conceito de dano emergente, não há como se admitir o posicionamento contrário à integral reparação do dano sofrido pelas vítimas nestes casos, desde que, [...] as chances sejam sérias e reais”.
O ato lesivo decorrente da conduta do agente, causa um prejuízo à vitima, qual seja, retira desta, todas as chances que possuía de obter uma vantagem ao final do processo aleatório em que se encontrava. Não há que se confundir com a perda da própria vantagem final, uma vez que o ato ilícito não constitui condição única e derradeira para a perda da vantagem final, posto que se assim o fosse, estar-se-ia diante de um caso de indenização pelo dano emergente ou lucro cessante.
A Carta Magna visa, na sua essência, à dignidade da pessoa humana e à pacificação social. O direito civil, interpretado a partir dessas premissas, permite que os elementos presentes nas situações que geram responsabilidade civil sejam valorados de forma a se ter a completa dimensão do ato ilícito e suas consequências, o que vem a contribuir para que a justiça seja alcançada de forma mais efetiva no caso concreto. Considerar a chance perdida como um dano injusto, constitui-se num facilitador para a sua efetiva reparação. A mudança de paradigma da responsabilidade civil, do sujeito lesante para o dano efetivo suportado pelo lesado, corrobora com a formação do conjunto valorativo que culmina com a indenização dessa espécie de dano. Joseph King Jr. (1998 citado por SILVA, 2009, p. 77), “vislumbra as chances perdidas pela vítima como um dano autônomo e perfeitamente reparável, sendo despicienda qualquer utilização alternativa do nexo de causalidade”.

3.3 A questão da indenização para a teoria da perda de uma chance
Em alguns casos de indenização por danos materiais e em grande parcela dos danos morais, a fixação do quantum indenizatório se torna um desafio para o magistrado que se vê diante de situações em que a proporcionalidade e a razoabilidade são as suas únicas armas para que faça valer seu dever de dizer o Direito. Com relação à quantificação da indenização pela perda de uma chance, essa dúvida do juiz pode se tornar imensamente maior. Com o propósito de clarear sobre esse tema, Schmitt (2010, p. 81-82) informa:
O montante devido à vítima, isto é, o quantum indenizatório, [...] deve ser fixado em percentual que incida sobre o total da vantagem que poderia ser obtida, representando de forma razoável a probabilidade de ser configurada a expectativa do lesado. Outrossim, [...] este percentual não pode, em qualquer hipótese, resultar na própria vantagem que poderia ser obtida.
Para Venosa (2012, p. 39), “o grau de probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização”. De acordo com Silva (2009, p. 59), quando o magistrado faz a estimativa do valor da chance perdida, “ele aprecia estatisticamente a correlação existente entre o fato gerador da responsabilidade e o dano”.
Além do quantum indenizatório, outra questão igualmente merecedora de amplo debate pela doutrina e jurisprudência, é como classificar adequadamente essa indenização. Sobre esse tema por vezes espinhoso, Cavalieri Filho (2010, p. 79-80) assevera:
A que título deve ser concedida a indenização pela perda de uma chance? Por dano moral ou material? E neste último caso, a título de dano emergente ou lucro cessante? Essa questão é também controvertida tanto na doutrina como na jurisprudência. Em muitas oportunidades os tribunais indenizam a perda de uma chance, ainda que não se refiram à expressão, a título de lucros cessantes; outras vezes, como dano moral.
Há forte corrente doutrinária que coloca a perda de uma chance como terceiro gênero de indenização, a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante. Entre um extremo e outro caberia uma graduação, que deverá ser feita em cada caso, com critério equitativo e distinguindo a mera possibilidade da probabilidade.
A indenização pela perda de uma chance foi corretamente classificada pela doutrina e jurisprudência italianas. No Brasil, a bem de corretamente se aplicar a teoria, deve-se seguir o mesmo caminho, definindo-a como uma (sub)espécie de dano emergente ou mesmo como um dano autônomo. Classificá-la como lucros cessantes implica uma maior dificuldade de prova, o que, em muito se distancia da correta significação e interpretação da teoria, deixando, em muitos casos, de reparar o dano causado pelo lesante. Classificar a indenização como dano moral, deveras, torna-se bem pior que por lucros cessantes, uma vez que a chance perdida é economicamente valorável e está definitivamente incorporada ao patrimônio da vítima. Constitui-se num valor monetário e não numa perda ou dor moral. De acordo com Venosa (2012, p. 304), “a denominada ‘perda de chance’ pode ser considerada uma terceira modalidade [...] a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante”. Seguindo por essa vereda, o Superior Tribunal de Justiça (2012), arremata:
O juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Sílvio de Salvo Venosa, autor de vários livros sobre direito civil, aponta que “há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento” (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça [2012]). 
Mister frisar que a responsabilidade pela perda de uma chance deve ser utilizada quando a vítima está impossibilitada de provar o nexo de causalidade entre a perda definitiva da vantagem esperada e a conduta do agente causador do dano. De acordo com Silva (2009, p. 142), “resta para a vítima, portanto, a reparação pela perda de uma chance, já que poderá provar o nexo causal entre a conduta do agente e as chances perdidas”. Conforme Venosa (2012, p. 308), “o julgador deverá estabelecer se a possibilidade perdida constitui uma probabilidade concreta, mas essa apreciação não se funda no ganho ou na perda porque a frustração é aspecto próprio e caracterizador da ‘chance’”. Silva (2009, p. 143), comentando decisão recente da primeira câmara da Corte de Cassação francesa [2002], informa que esta ratificou que “a reparação da perda de uma chance deve ser mensurada de acordo com a chance perdida e não pode ser igualada à vantagem em que teria resultado esta chance, caso ela tivesse se realizado”. Essa decisão confirma o entendimento da aplicação da teoria, em que prescreve que não se deve indenizar pelo montante do dano final, apenas quantificando pelas chances perdidas, que já se encontravam no patrimônio da vítima.


4. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO
A aceitação e a consequente aplicação da teoria no ordenamento jurídico pátrio apresentam nuances próprias dos fenômenos jurídicos que visam ao aperfeiçoamento e à ampliação das hipóteses que devem estar sob o guarda-chuva da responsabilidade civil. Nessa esteira, nascem manifestações favoráveis e contrárias, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, o que tem contribuído para um melhor entendimento do instituto no país. Corroborando com essa afirmação, apresenta-se o ensinamento de Cavalieri Filho (2010, p. 77), ao asseverar que:

O direito pátrio, onde a teoria vem encontrando ampla aceitação, enfatiza que “a reparação da perda de uma chance repousa em uma probabilidade e uma certeza; que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo” (Caio Mário, Responsabilidade Civil, 9. ed. Forense, p. 42).
Nessa linha, o Superior Tribunal de Justiça (2012), informa que “surgida na França e comum em países como Estados Unidos e Itália, a teoria da perda da chance (perte d´une chance), adotada em matéria de responsabilidade civil, vem despertando interesse no Direito brasileiro – embora não seja aplicada com frequência nos tribunais do país”. Conforme Venosa (2012, p. 39), “a matéria, oriunda de estudos na França, discutida largamente na Europa, ainda é nova no nosso país, mas os tribunais já estão a sufragá-la”.

4.1.A teoria da perda de uma chance e os profissionais liberais
A responsabilidade civil, visando proteger as vítimas de quaisquer tipos de danos, pode atingir também os profissionais liberais no exercício dos seus ofícios. Com o advento do novo Código Civil brasileiro de 2002, uma nova problemática veio à tona, no que diz respeito à atuação de determinados profissionais liberais, que, via de regra, empreendem atividades de risco, como por exemplo, médicos e advogados. Ninguém discorda que essas atividades envolvem elevada potencialidade de provocação de danos. Nesse contexto, pode-se citar o erro de um cirurgião ou a perda de prazo por um advogado. (GAGLIANO, 2009)
Quem oferece ao público um serviço técnico especializado deve possuir e aplicar todas as modernas técnicas disponíveis, bem como desempenhar suas funções com prudência e perícia. Ao realizar seu trabalho, o profissional liberal detém um conjunto de informações inerentes ao que está sendo realizado, ao passo que o seu cliente, por vezes, desconhece totalmente qual procedimento se aplicará, o que, de per si, justifica na maioria dos casos, a inversão do ônus da prova.

4.1.1Advogados
A Advocacia, dada a relevância do seu papel social, foi inserida na Constituição Federal de 1988, entre as funções essenciais à Justiça, juntamente com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Para bem desempenhar suas atividades, o advogado goza das condições necessárias ao pleno exercício de sua profissão, atuando com liberdade, independência e ausência de receio de desagradar a quem quer que seja. A Magna Carta, em seu art. 133, lhe assegura a inviolabilidade por seus atos e manifestações, no exercício do seu mister, dentro dos limites pela lei impostos. Em contrapartida, porém, há que ser responsabilizado pelos seus atos, ensejadores de violação do dever profissional. De acordo com Gagliano (2009, p. 224), por ser considerado um ofício essencial à sociedade, “a possibilidade de ocorrência de danos, seja pela utilização equivocada de técnicas inadequadas ao caso concreto ou simplesmente a omissão nos deveres de defesa dos interesses do cliente, é um elemento concreto que não pode ser desprezado”.
O Estatuto da Advocacia, contido na Lei Federal nº 8.906/1994, em seu art. 32, de acordo com Rossi (2007, p. 90), “determinou que o advogado somente será responsabilizado pelos danos que propiciar no exercício de sua atividade, se o praticar com dolo ou culpa”. No patrocínio da causa do cliente, deve o advogado nortear-se pelos princípios, da boa-fé objetiva, da informação, transparência e sigilo profissional, além do agir ético.

Objetivando-se auferir a conduta do advogado que causou prejuízo ao seu cliente, depara-se com situações em que a lesão ao patrimônio jurídico do contratante-cliente se dá em virtude de conduta omissiva do profissional. Conforme Gagliano (2009, p. 226), “a casuística é infindável: falta de propositura de ação judicial, recurso ou ação rescisória; não-formulação de pedido; omissão na produção de provas; extravio de autos; ausência de contra-razões ou sustentação oral; falta de defesa etc”. Alguns casos de responsabilização do advogado por culpa grave decorrem de erros grosseiros, de fato ou de direito e omissão negligente no desempenho do mandato, como por exemplo, perda do prazo para contestar, para recorrer, para fazer o preparo de um recurso ou pleitear alguma diligência importante. São todas situações em que o advogado poderá ser demandado a indenizar o dano sofrido pelo seu cliente.

A perda de prazo para contestar uma sentença desfavorável ao cliente, causa-lhe a perda da chance de ver a sua causa apreciada pela instância superior. Não se pode afirmar que se obteria sucesso na nova apreciação, porém, a chance perdida há que ser reparada, na medida em que, analisando-se casos semelhantes, poder-se-ia saber, através de cálculos estatísticos, quais eram as possibilidades de se obter sucesso na demanda. Seguindo por essa vereda, Sérgio Novais Dias, (1999 citado por ROSSI, 2007, p. 121), assevera:

“A responsabilidade na perda de uma chance tem características bem peculiares que a diferem das outras situações que envolvem perdas e danos. É que, na perda de uma chance, no caso especifico da atuação do advogado, nunca se saberá qual seria realmente a decisão do órgão jurisdicional que, por falha do advogado, deixou, para sempre, de examinar a pretensão do seu cliente”.
A perda de uma chance apresenta nuances, por vezes difíceis de auferir, pois, um fato que nunca ocorreu e jamais ocorrerá, precisa ser demonstrado de forma a apresentar algum grau de certeza, para que se possa adequadamente quantificar a perda do cliente que não teve, nem mais terá, sua causa apreciada por um órgão jurisdicional superior, no caso da interposição intempestiva de um recurso por parte de seu advogado. Seguindo por essa linha de pensamento, Savi (2009, p. 40) afirma que “[...] o que deve ser objeto de indenização é a perda da possibilidade de ver o recurso apreciado e julgado pelo Tribunal, possibilidade esta que restou definitivamente afastada em razão da negligência do advogado”.
A vitória, em qualquer disputa, pode se atribuir a diversos fatores, inclusive a álea, porém, a conduta diligente do advogado, nesse caso, pode dar certa margem de confiança, de que será combatido o bom combate, no embate que se trava entre as partes de uma ação contenciosa. 
Busca-se a possibilidade de obter êxito na luta, mas, muitas vezes, pela má conduta profissional, extirpa-se do patrimônio da vítima, a própria chance de lutar pelo seu interesse. Esta se constitui na verdadeira razão para que haja a reparação dessa frustração.
A demonstração da chance perdida, pode se dar, tanto no exercício jurisdicional do advogado, quanto, nos casos de aconselhamento, elaboração de pareceres, contratos, estatutos, ou quaisquer outras atividades desvinculadas de litígio administrativo ou judicial.
Alguns cuidados se fazem necessários por parte do advogado, para prevenir a responsabilização civil, especialmente no que tange ao levantamento de valores dos clientes e manuseio de seus documentos. Com o intuito de prevenção quanto a valores, devem-se evitar procurações de cunho genérico, com poderes muito ampliados. Com relação a documentos de clientes, o advogado deve exigir deles, recibo de devolução para evitar alegações de extravios diversos. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 407), o advogado deve prestar ao seu cliente, “aconselhamento jurídico cuidadoso, informá-lo dos riscos da causa e de tudo o mais que for necessário para o seu bom andamento e guardar segredo sobre fatos de que tenha tomado conhecimento no exercício de sua atividade profissional”. A relação advogado-cliente, sempre deve ser pautada pelo respeito e confiança, além de cautela, que não faz mal a ninguém.

4.1.2.Médicos
A categoria de profissionais liberais que atua junto à busca pela saúde dos indivíduos em geral, notadamente os médicos, pela natureza e os riscos dos serviços prestados, está sujeita ao dever de indenizar os danos causados aos seus clientes-pacientes.

A conduta do médico é considerada, na maioria das vezes, sob a ótica da obrigação de meio e não de resultado, uma vez que a garantia de cura poderia ensejar a assunção de uma condição divina ao profissional da medicina, o que é fisicamente impossível, de acordo com Schmitt (2010, p. 169). Há que se distinguir na seara médica, a categoria da cirurgia plástica, especialmente a embelezadora, que constitui, a partir do entendimento de grande parte da doutrina, obrigação de resultado. Na esteira da afirmação de que o médico não seria um “deus”, Cavalieri Filho (2010, p. 385), arremata:
Nenhum médico, por mais competente que seja, pode assumir a obrigação de curar o doente ou de salvá-lo, mormente quando em estado grave ou terminal. A ciência médica, apesar de todo o seu desenvolvimento, tem inúmeras limitações, que só os poderes divinos poderão suprir. A obrigação que o médico assume, a toda evidência, é a de proporcionar ao paciente todos os cuidados conscienciosos e atentos, de acordo com as aquisições da ciência, para usar-se a fórmula consagrada na escola francesa. Não se promete a curar, mas a prestar os seus serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo aí os cuidados e conselhos.
Com o objetivo de clarear acerca da aplicação da teoria aos casos médicos, Melo (2008, p. 25), esclarece:

A denominada “teoria da perda de uma chance de cura ou sobrevivência”, de inspiração francesa, possibilita ao lesado o suporte jurídico necessário para pleitear indenizações em caso de frustração do atendimento médico que o possa ter privado de alguma chance de obter ou buscar a cura. Para sua procedência, é preciso que estejam devidamente configuradas, de modo preciso, a seriedade da probabilidade de cura e sua relação de causalidade direta com os atos praticados pelo médico desidioso.
Algumas condutas comissivas ou omissivas dos profissionais médicos podem ensejar ação de reparação de danos pela perda de uma chance. Seguindo por esse raciocínio, nas palavras de Schmitt (2010, p. 82), tem-se:
Na seara médica, o indivíduo pode perder as chances de cura de sua moléstia porque o médico-assistente, quando lhe examinou, não o encaminhou para algum tratamento específico, não lhe receitou o medicamento adequado, deixou de pedir exames, preferiu um diagnóstico equivocado, agindo com desídia indesculpável etc.

Um exemplo de aplicação da teoria à medicina, diz respeito a um paciente que consultou um médico e este não diagnosticou um câncer, que somente veio a ser constatado, após algum tempo, por outro profissional. De acordo com Rosário (2009, p. 134), “nesse caso, tendo em vista que as chances de cura são muito maiores quando descoberta a doença no início, a imperícia do profissional resulta por eliminar as possibilidades de sobrevivência do doente”.
Como se tem apregoado, existem algumas possibilidades para aplicação da responsabilidade civil pela perda de uma chance na seara médica. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 80), aplicada à atividade médica, “a teoria ficou conhecida como teoria da perda de uma chance de cura ou de sobrevivência, em que o elemento que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento”. O que se perde, nesses casos, é a chance de obter a cura e não a continuidade da vida. A falta indenizável, no caso da atividade médica, reside em não se dar ao paciente, todas as possibilidades ou chances de cura ou de sobrevivência. Conforme Rosário (2009, p. 7), “a chance deve ser séria e realizável, pois simples suposição de cura não enseja a responsabilidade civil médica”. A jurisprudência brasileira, de acordo com Silva (2009, p. 240), tem adotado posicionamento semelhante ao da Corte de Cassação francesa, ou seja, “aplica a teoria da perda de uma chance na área médica sem fazer qualquer distinção em relação aos casos que aplicam o conceito de dano específico, quando a conduta do réu interrompe o processo aleatório em que se encontrava a vítima”. Dessa forma, constata-se que a utilização da teoria à seara médica se torna possível, pois não necessita de uma nova forma de analisar o nexo causal, dando ensejo à sua utilização da forma normalmente preconizada.
Não se pode deixar de responsabilizar condutas que retirem do paciente, suas chances de cura, com o único propósito de “blindar” a categoria profissional médica. A indenização a que o médico poderá ser condenado a pagar à vítima norteia-se pelo cálculo da chance de cura ou sobrevivência perdida. Sobre a valoração da indenização, Rosário (2009, p. 148), afirma que “o quantum deve margear a probabilidade que o paciente tinha de cura ou de sobrevivência, já que não ocorreu o erro médico tradicional que gera indenização integral, no campo patrimonial e moral”. Com relação à indenização, Melo (2008, p. 27), afirma que a indenização a título de perda da chance de cura ou sobrevivência, não se dá de forma integral, é parcial ou mitigada, por se estar diante de uma probabilidade e não de uma certeza. Consubstancia-se num meio termo entre o adequado exercício da medicina e o erro médico. A principal característica na aplicação da teoria constitui um empenho não satisfatório, seja pela ausência injustificável do uso de precisão técnica profissional de um diagnóstico ou terapia, seja pelo atuar negligente no mínimo necessário a uma terapia adequadamente conduzida pelo profissional.
Quando se deseja verificar a possibilidade de aplicar a teoria à conduta do cirurgião plástico, ao se analisarem as modificações causadas na aparência do cliente, entende-se que estas não precisam ser horripilantes feridas ou cicatrizes monstruosas, bastando que a vítima tenha passado por uma transformação na aparência, não desejada por ela, diferente do que fora contratado com o cirurgião plástico. Para que esse tipo de dano seja ressarcível, é mister que as lesões sejam permanentes, pois, do contrário, sendo lesão passageira ou de curta duração, a indenização se dará com base na disciplina das perdas e danos tradicionais, inclusive podendo dar margem a uma indenização por danos morais.
Mister, nesse ponto, é o dever de informação, pois, em alguns casos, de acordo com a vontade do paciente e as possibilidades médicas, mesmo utilizando-se da melhor técnica, nem sempre o resultado esperado é possível. O médico deve se negar a realizar o procedimento cirúrgico estético. O ponto nodal será o que foi informado ao paciente quanto ao resultado esperável. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 396), “se o paciente só foi informado dos resultados positivos, que poderiam ser obtidos, sem ser advertido dos possíveis efeitos negativos (riscos inerentes), eis aí a violação do dever de informar, suficiente para respaldar a responsabilidade médica”.

Conforme posicionamento de Willhelm (2009, p. 27), “para que um cirurgião plástico não seja responsabilizado pelo mau resultado, deverá comprovar sua não culpa ou demonstrar a inexistência de nexo causal entre seu ato e o insucesso da operação”. De acordo com as palavras de Rosário (2009, p. 9), “a culpa na seara médica exsurgirá no caso de comprovação de um atuar negligente, imprudente ou imperito do profissional. A prova deve ser cabal, já que o médico labuta com a mente e com o corpo humano”.
Quanto mais o médico se afasta do que seria razoável ele realizar e os cuidados inerentes ao caso em apreço, maior a probabilidade de que seja obrigado a reparar o dano causado. De acordo com o caso em concreto, avaliam-se as circunstâncias especiais. Do médico anestesista, por exemplo, espera-se que permaneça vigilante em absoluto, desde antes da cirurgia propriamente dita, até o momento em que o paciente volta à consciência. Do médico especialista, exige-se muito mais que do médico generalista. Do cirurgião plástico, tem-se como obrigação, o rigoroso cumprimento do dever de informar ao paciente, bem como, deve tomar todos os cuidados na execução do trabalho.
No que tange à indenização pela perda da chance de cura, usa-se a premissa que norteia a teoria em todos os demais casos, não apenas na atividade médica, ou seja, deve ser pautada pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem. Em outras palavras, conforme Cavalieri Filho (2010, p. 395), “o elemento que determina a indenização é a perda de uma chance de resultado favorável no tratamento. O que se perde é a chance de cura e não a continuidade de vida. A falta reside em não se dar ao paciente todas as chances de cura [...]”.

Para que o médico tenha a seu favor, um instrumento adequado para atestar que cumpriu com o seu dever de informação, deverá elaborar um termo de consentimento claro e objetivo, por meio do qual o paciente compreenda todas as características de sua moléstia, tratamento a que será submetido, riscos envolvidos, o porquê de determinada intervenção, entre outras informações, e submeter esse documento à assinatura do paciente ou de seus responsáveis legais.
Quanto à aplicação da teoria à seara médica no sistema jurídico pátrio, de acordo com Silva (2009, p. 207), pode-se afirmar que existe sólida tendência jurisprudencial no sentido de admitir a aplicação da teoria da perda de uma chance para as questões que envolvem os profissionais médicos, hospitais, clínicas, laboratórios, entre outros. Informa também que, mesmo em decisões colegiadas, em que as falhas médicas constituem causa para se indenizar pela chance perdida, não houve preocupação que a reparação, nesses casos, desvirtuasse a noção clássica de nexo de causalidade.

4.2.Jurisprudências de Tribunais Estaduais e Superiores brasileiros
Objetivando verificar acerca da aplicação da teoria da perda de uma chance no país, através de uma rápida pesquisa nos mecanismos de busca na Internet, notadamente nos sites dos principais Tribunais nacionais, percebe-se um crescimento exponencial da aplicação da teoria como ratio decidendi de inúmeros julgados. Uma questão ainda controvertida nos Tribunais brasileiros, é em relação à correta classificação do dano decorrente da perda de uma chance. Por vezes se concede a indenização a título de perda patrimonial, ora afirma-se estar diante de um dano moral. Sobre essa problemática, Cavalieri Filho (2010, p. 80), informa:
A jurisprudência, repita-se, ainda não firmou entendimento sobre essa questão; ora a indenização pela perda de uma chance é concedida a título de dano moral, ora a título de lucros cessantes e, o que é pior, ora pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se acaba por transformar a chance em realidade.
A correta classificação de um dano, contribui para que casos que se inserem em determinada categoria, obtenham a justa reparação pelo prejuízo sofrido. Cavalieri Filho (2010, p. 81), apresenta uma jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro, acerca da aplicação da teoria da perda de uma chance, na seara médica:
A Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro, no julgamento da Apelação Cível nº 8.137/2006 (relator Des. Roberto de Abreu e Silva), fez magistral aplicação dessa teoria. A clínica de olhos foi condenada a indenizar o paciente, que sofreu descolamento de retina, não pela cegueira em si, mas pela perda de uma chance de salvar a sua visão, uma vez que, quando procurada, deixou de realizar a cirurgia necessária pela falta de médico profissional disponível na ocasião, cirurgia essa que só foi realizada depois de ultrapassado o período da situação emergencial, quando a lesão da mácula na retina da vista já havia se consolidado [...].
Um caso julgado em 08/11/2005, pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, STJ – REsp. nº 788.459-BA, relator Desembargador Ministro Fernando Gonçalves, pode ser considerado o verdadeiro leading case apreciado pelo STJ – versa sobre uma ação movida por uma participante do programa de televisão conhecido por “Show do Milhão”. Tratava-se de um concurso em que eram feitas perguntas ao concorrente e, caso respondesse acertadamente, poderia chegar ao prêmio de um milhão de reais. Nessa ação específica, numa determinada edição do programa, uma participante havia ganhado a quantia de quinhentos mil reais, apenas lhe restando responder corretamente à pergunta final, que lhe renderia o tão almejado prêmio. Segundo Cavalieri Filho (2010, p. 78), a empresa promotora do concurso, apresentou uma pergunta em que todas as quatro alternativas se mostravam incorretas, impossibilitando desta feita, que a concorrente obtivesse êxito, respondendo de forma acertada à referida “questão do milhão”. A pergunta que daria à autora o prêmio total de um milhão de reais era a seguinte: “A Constituição reconhece direitos dos índios de quanto do território brasileiro?”. Foram elencadas quatro opções para, dentre elas, escolher-se a correta: a) 22%; b) 2%; c) 4%; e d) 10%. De acordo com Savi (2009, p. 77). Diante dessa impossibilidade lógica, a concorrente, para preservar o prêmio até então acumulado de quinhentos mil reais, optou por não responder a essa última indagação. Ademais, ajuizou ação de indenização, no valor de quinhentos mil reais, contra a empresa promotora do concurso com o argumento de que se a questão tivesse sido apresentada de forma a possibilitar uma resposta correta, teria obtido êxito e feito jus ao prêmio máximo do programa, ou seja, um milhão de reais. Tese acolhida nas instâncias inferiores, a ação chegou ao STJ, que, acertadamente, aplicando a teoria da perda de uma chance, concedeu à autora da ação a indenização que lhe era devida. De acordo com Cavalieri Filho (2010, p. 78-79), extrai-se do erudito voto do relator, a motivação que segue:
“Na espécie dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente - ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta no dizer do acórdão sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso - que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à ‘pergunta do milhão’. [...]
Destarte, não há como concluir, mesmo na esfera da probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão. Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza - ou a probabilidade objetiva - do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante. [...]
Resta, em conseqüência, evidente a perda de oportunidade pela recorrida, seja ao cotejo da resposta apontada pela recorrente como correta com aquela ministrada pela Constituição Federal que não aponta qualquer percentual de terras reservadas aos indígenas, seja porque o eventual avanço na descoberta das verdadeiras condições do programa e sua regulamentação, reclama investigação probatória e análise de cláusulas regulamentares, hipóteses vedadas pelas súmulas 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça. [...]
A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma ‘probabilidade matemática’ de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida.
Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais)”. (sic)
A conduta do advogado pode dar ensejo ao pleito de uma indenização pela perda de uma chance. Nesse contexto, Savi (2009, p. 49-50), apresenta o caso de uma senhora que contratou advogado para ajuizar ação contra o INPS, visando receber pensão previdenciária decorrente da morte de seu esposo. A ação judicial foi distribuída em 1975, no Foro de Nova Hamburgo – RS, 1ª Vara Cível, sendo que o processo foi extraviado, jamais vindo a chegar àquele cartório. O advogado, sabedor do extravio, não informou tal fato à sua constituinte, nem tampouco, restaurou os autos, retirando da autora, a chance de ver seu pedido de pensionamento pelo INPS, apreciado em juízo. O acórdão está assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance”. Na apreciação da Apelação Cível nº 591064837 – 5ª Câmara Cível, TJRS [julgada em 29/08/1991], o Relator Des. Ruy Rosado de Aguiar reconheceu a negligência do advogado, fazendo com que a autora perdesse a chance de ver a sua ação apreciada pelo Tribunal e, com isso, sofresse um dano decorrente da chance perdida. Segue trecho do voto do relator, o qual fundamenta a decisão pela indenização da chance perdida:
“Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. François Chabas: ‘Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la’ (‘La Perte d´une chance em Droit Français’, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS em 23.5.90) [...]
[...] a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio específico da perda de chance, dentro do instituto da responsabilidade civil.

Isto posto, estou em negar provimento ao apelo para manter a sentença de procedência, esclarecendo que a fixação da indenização, através de arbitramento, em liquidação de sentença, deverá atentar para o fato de que o dano corresponde apenas à perda da chance”.
Compreende-se a partir desse extrato, que o Des. Ruy Rosado de Aguiar acertadamente aplicou a teoria ao caso concreto. Apurou a conduta negligente do advogado, e concluiu pelo dever de indenizar a mandante, por ter perdido a possibilidade de ver sua causa apreciada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Parte considerável dos Tribunais pátrios precisa desenvolver corretamente o entendimento, tanto da classificação do dano causado pela chance perdida, quanto da quantificação do dano suportado pela vítima, ao perder as suas chances de auferir vantagem, bem como, estabelecer de forma apropriada a relação causal entre o ato ilícito do agente e o prejuízo da vítima, para que se possa determinar, com precisão, através de cálculos, o quantum a ser indenizado, ficando os magistrados vinculados a certos parâmetros que facilitam as suas decisões em matéria de chances perdidas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A aceitação da teoria no Brasil pode se dar em diversos casos, da mesma forma que já é aplicada em outros países, especialmente França, Itália e Estados Unidos da América. Os profissionais liberais, especialmente médicos e advogados que, para alguns doutrinadores, gozam de certo privilégio, podem ser responsabilizados pela teoria da perda de uma chance, uma vez que a legislação pátria optou em desviar o foco da reparação civil, da conduta humana, para a necessidade de reparação integral do dano, protegendo dessa forma a vítima, não a penalizando ainda mais, ao se exigir, além de suportar o prejuízo, que produza a chamada “prova diabólica”.

Os Tribunais Superiores brasileiros, bem como alguns Tribunais de Justiça dos estados-membros têm anotado em suas decisões, referência à teoria da chance perdida. Em alguns casos, os Ministros e os Desembargadores a têm aplicado corretamente em suas fundamentações e procedido à correta valoração da chance perdida e quantificado a indenização na exata medida da probabilidade que a vítima possuía de auferir vantagem ou evitar prejuízo.
Por outro lado, algumas decisões se mostram equivocadas por, apesar de citar a teoria, determinar a indenização por lucros cessantes ou mesmo por danos morais. Acredita-se que, com a ampliação e maior difusão da teoria, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, especialmente nas mais altas esferas do Poder Judiciário, possa-se corretamente aplicá-la, a fim de se aproximar do ideal de Justiça, que tem no instituto da responsabilidade civil, relevante ferramenta de pacificação social, fim maior do Direito.
Ademais, é adequado e possível aplicar a teoria no ordenamento jurídico brasileiro, através de uma interpretação extensiva da legislação civil, uma vez que a norma pátria possui uma cláusula geral de responsabilidade civil e optou-se pela adoção do princípio da reparação integral do dano, cláusula esta, também prevista nos sistemas jurídicos, francês e italiano, em que a teoria é amplamente aplicada já há algum tempo. Pode-se dizer que a própria evolução do instituto da responsabilidade civil abarca o acolhimento da teoria da perda de uma chance, pela força de princípios constitucionais que colocam a vítima de dano injusto no centro da temática, merecedora da total atenção do magistrado.

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