terça-feira, 12 de maio de 2009

Artigo: A PRESCRIÇÃO NA LEI Nº 9873/99

Disponível em: http://www.sutter.com.br/revista/materia.asp?codmateria=56

A PRESCRIÇÃO NA LEI Nº 9873/99

SIDIO ROSA DE MESQUITA JÚNIOR : Mestre em Direito pela UFPE. Procurador Federal. Professor da UNIP; do CESUBRA; da AEUDF; e do UNICEUB. Autor de Prescrição Penal e Manual de Execução Penal, publicados pela Ed. Atlas S.A.

1. Introdução
O presente estudo foi realizado em atenção à solicitação feita pela então Conselheira Lúcia Helena Salgado, enquanto Presidente Substituta desta Autarquia. Visou trazer uma interpretação do texto da Medida Provisória, apresentando, inclusive, proposta para modificações, no caso de novas reedições da MP nº 1.708, de 30 de junho de 1998. No entanto, ela foi publicada em 01 de julho de 1997 e reeditada por várias vezes, ganhou novo número porque se perdeu o prazo para a reedição e foi convertida na Lei nº 9873/99, mantendo todos os equívocos da redação original.
Antes da vigência da Lei nº 8.884/94, o nosso direito positivo não previa expressamente a possibilidade de prescrição, mas o plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômico (CADE) já o acolheu aplicando preceitos de outras normas, por analogia. Depois, com o advento da Lei nº 8.884/94, a doutrina divergia sobre a aplicação do preceito do art. 28 da referida norma, sendo que uns acreditavam que a prescrição importava unicamente na perda do direito de ação, outros diziam que gerava a na perda do direito de sancionar, enquanto que a norma preceituava que a prescrição extinguia a própria infração. As referidas discussões ensejaram a inclusão da matéria em um livro de nossa autoria, no sentido de que há prescrição, com prazos e causas interruptivas e suspensivas, tudo expresso no revogado artigo 28 da Lei nº 8.884/94. Tal artigo encontrou certa resistência inicial, mas a tese foi acolhida, ainda de maneira incipiente, pelo plenário da autarquia. Hoje, tal discussão é mantida, tendo em vista que a nova norma preceitua que a prescrição gera a perda do direito de ação.
Entendendo que o reconhecimento da prescrição merecia acolhimento, mas que fazia-se mister a padronização de comportamentos, é que dei publicidade ao presente estudo, tendo-o apresentado aos integrantes do CADE durante seminário realizado no plenário da autarquia, no dia 09 de julho de 1998.
2. Preceito legal
“Art. 1o. Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
§ 1o. Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.
§ 2o. Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal.
Art. 2o. Interrompe a prescrição:
I - pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III - pela decisão condenatória recorrível.
Art. 3o. Suspende-se a prescrição durante a vigência:
I - dos compromissos de cessação e de desempenho, respectivamente previstos nos artigos 53 e 58 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994.
II - do termo de compromisso de que trata o § 5o do art. 11 da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, com redação dada pela Lei nº 9.457, de 5 de maio de 1997.
Art. 4o. Ressalvadas as hipóteses de interrupção previstas no art. 2o, para as infrações ocorridas há mais de três anos, contados do dia 1o de julho de 1998, a prescrição operará em dois anos, a partir dessa data.
Art. 5o. O disposto nesta Medida Provisória não se aplica às infrações de natureza funcional.
Art. 6o. Ficam revogados o art. 33 da Lei nº 6.385, de 1976, com a redação dada pela Lei nº 9.457, de 1997, e o art. 28 da Lei nº 8.884, de 1994, e demais disposições em contrário, ainda que constantes de lei especial.
Art. 7o. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação”.
3. Natureza jurídica da prescrição
O revogado artigo 28 da Lei nº 8.884/94, preceituava: “prescrevem em cinco anos as infrações da ordem econômica”. Da mesma forma, a Lei nº 6385/76, com redação dada pela Lei nº 9.457/97, também dizia que o que era revogado era a própria infração. Tal expressão é equivocada, pois, conforme escrevemos alhures, o que prescreve não é a infração,[1][1] pois esta continua existindo, mesmo que não mais seja possível aplicar a sanção administrativa, isso não apaga o fato concretizado. O que prescreve não é ‘o direito de exercitar a ação adequada à eliminação das infrações ou à punição dos que as cometeram. Aqui, o que está em discussão é o direito de aplicação de determinada sanção administrativa ao infrator.
A medida provisória em comento foi inspirada no ensinamento de João Bosco Leopoldino da Fonseca, visto que o mesmo afirma que a natureza jurídica da prescrição é a perda do direito de ação.[2][2] O referido mestre ensina que não é a própria infração que é atingida pela prescrição. Outrossim, segundo o autor, não prescreve o direito de sancionar. Não obstante, a melhor orientação é diversa, parecendo-nos apropriado o posicionamento de Caio Tácito que preleciona:
“As sanções administrativas, como, de resto, todas as demais sanções jurídicas, estão, evidentemente, sujeitas à prescrição. Com efeito, a perpetuidade da pretensão punitiva estatal, seja na esfera penal, seja na esfera administrativa, tenderia não só a prolongar indefinidamente situações litigiosas, como também a abalar a estabilidade da ordem jurídica”.[3][3]
No campo do Direito Civil costuma-se dizer que a prescrição é a perda do direito de ação, enquanto que a decadência é o “requisito de validade de alguns direitos, que somente podem ser exercidos em certo prazo, sob pena de perecerem”,[4][4] sendo, portanto, perda do direito subjetivo, ambos em decorrência da ação do tempo. A distinção simplista é combatida por Agnelo Amorim Filho que demonstra as bases científicas que permitem a identificação segura das ações sujeitas à prescrição ou à decadência e as ações perpétuas (imprescritíveis).[5][5]
Entender que a própria infração prescreve, destoa do critério científico, apontado por Agnelo Amorim filho, para distinção de prescrição e decadência, bem como das ações que estão sujeitas à mesma. Como as ações administrativas promovidas perante os órgãos de defesa da ordem econômica são sancionatórias, não há como falar em decadência, ou seja, na extinção da própria infração, pois tal entendimento não encontra amparo nem mesmo no campo do próprio direito civil, onde, conforme ensina o professor nupercitado, não é possível falar em decadência, ou seja, as ações condenatórias não estão sujeitas à decadência.
Otrossim, como a medida provisória trata de causas interruptivas e suspensivas da prescrição, mesmo depois de iniciado o processo, não há como falar em prescrição da ação. Caso entendêssemos diferentemente, concordaríamos com a imprescritibilidade, visto que uma vez iniciado o processo, não haveria mais como falar em prescrição. Tal posicionamento não pode ser aceito pois
“Não há sistema jurídico civilizado que aceite a existência de normas punitivas imprescritíveis; somente ordens míticas ou religiosas, cujo fundamento de legitimidade repousa em uma esfera supra-humana, a sanção pode ser dotada do predicado da perenidade, não se extinguindo jamais a possibilidade de ser o pecador castigado por sua falta”.[6][6]
A Medida Provisória nº 1.708/98 trata expressamente de “prescrição da ação punitiva”, mas tal posicionamento não pode ser de todo admitido como aquele que traduz uma verdade absoluta, visto que são freqüentes as falhas legislativas merecedoras de crítica. Ora, conforme exposto, é equivocado o preceito que trata unicamente da perda do direito de ação, pois o direito que é atingido diretamente é a perda do direito de aplicar a sanção, sendo que a perda do direito de ação se dá unicamente por via indireta, ou seja, não mais sendo possível aplicar a sanção, de nada adiantará instaurar processo administrativo para a apuração dos fatos. Pelos fundamentos expostos, interpretando sistematicamente a norma dentro de seu contexto jurídico, a redação da norma apresenta grave equívoco, visto que a natureza jurídica da prescrição prevista na MP 1708/98 é a da perda do direito punitivo da Administração.
4. Termo inicial da prescrição
O que marcará o termo inicial da prescrição é a data do fato, ou seja, quando o mesmo se concretiza. Há que se verificar, no entanto, que existem infrações permanentes e infrações continuadas. Nestas, o termo inicial será a data que cessar a conduta, ou que a reiteração da mesma for interrompida.
Alguma distinção há de ser feita, em relação às infrações permanentes e infrações continuadas. As primeiras são aquelas cuja prática de protrai, prolongando-se no tempo. As últimas são aquelas infrações da mesma espécie que se repetem em tais circunstâncias em que se torna possível concluir que uma é continuação da outra.
Diante do fato concretizado, a Administração deverá verificar se a conduta infracional, uma vez concretizada, perdura. Ou se são somente os efeitos dela. Uma infração instantânea, poderá ter efeitos permanentes, mas isso não impede o curso do lapso prescricional. O que impede a prescrição é a permanência da conduta, ou a reiteração da mesma. Assim, v.g., o aumento abusivo de preço é uma conduta instantânea de efeitos permanentes, mas a data que deverá ser considerada é a do efetivo aumento de preços, e não de quando cessou seus efeitos.
Por outro lado, a conduta prevista no art. 21, inciso VII, da Lei nº 8.884/94 (exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade nos meios de comunicação de massa) é inicialmente instantânea, mas se a cada adquirente de seus produtos é exigida a exclusividade, poderemos ter a continuidade do ato infracional. Assim, o termo inicial da prescrição será a do último ato.
Dizer que uma infração é continuada ou não só é possível diante do caso concreto. Ao contrário, as infrações permanentes podem ser definidas em tese, v.g., dificultar a continuidade ou o desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado (art. 21, inciso XIV). Tendo em vista que trata-se de conduta infracional que se protrai no tempo, trata-se de infração permanente.
5. Interrupção e suspensão do prazo prescricional
5.1. Generalidades
Preliminarmente, faz-se mister a distinção entre causa interruptiva e suspensiva da prescrição. Conforme consta da obra intitulada Prescrição Penal, causa interruptiva é aquela que provoca o reinício do lapso prescricional. A causa suspensiva, por sua vez, faz com que o prazo que fica parado, dormindo, volte a correr, considerando-se o período anterior.[7][7]
Para melhor destacar a previsão contida na MP 1708/98, torna-se oportuna a repetição da transcrição do artigo 2o da referida norma:
“Art. 2o. Interrompe a prescrição:
I - pela citação do indiciado ou acusado, inclusive por meio de edital;
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;
III - pela decisão condenatória recorrível”.
Completamente defeituosa é a redação do artigo transcrito, tendo em vista que o inciso I trata expressamente de citação, olvidando-se de que não há citação no procedimento administrativo. Neste, há notificação do administrado. Citação, em termos técnicos significa: “Chamamento judicial, para que alguém, em prazo fixado, compareça perante uma autoridade judiciária a fim de responder à ação que lhe é proposta ou de se pronunciar acerca do objeto que lhe é indicado”;[8][8] ou o “ato pelo qual se chama a juízo a pessoa que perante ele deve responder, ou aquela contra quem é proposta a ação ou nesta tem interesse”;[9][9] ou, ainda, “o ato pelo qual alguém é legitimamente chamado a juízo por ordem da autoridade competente”.[10][10] Finalmente, nos termos do CPC, “citação é o ato pelo qual se chama a juízo o réu ou o interessado a fim de se defender”.[11][11]
A palavra notificação, embora apresentada em alguns dicionários como ato judicial, é admitida como ato extrajudicial. O Código de Processo Civil, v.g., expressa a notificação feita pela parte, admitindo-a, inclusive, na forma oral.[12][12] Destarte, tratando a Lei nº 8.884/94, em seu art. 33, caput, de notificação e sendo esta a palavra mais técnica, melhor seria a não utilização da, no contexto, equivocada a palavra “citação”.
O inciso I do art. 2o, menciona as pessoas do indiciado e do acusado. O inquérito não é previsto na Lei nº 8.884/94, mas é na Lei nº 6385/76. Por outro lado, a pessoa do acusado é prevista na Lei nº 8.884/94.
O preceito do art. 2o, inciso I, tem a grande vantagem de esclarecer a dúvida outrora reinante sobre o momento da interrupção. Hoje, a conclusão que se impõe é a de que somente a instauração do processo administrativo é quem interrompe a prescrição. Esse entendimento, outrora manifestado,[13][13] está melhor solidificado, em face da previsão legal, pois na averiguação preliminar não existirá nenhuma notificação semelhante à citação.
Difícil é a interpretação do art. 2o, inciso II, da MP 1708/98, pois depende de sério critério para saber o que é ato inequívoco de apuração dos fatos, pois, existem atos que visam unicamente a organização processual, ou a implementação de uma decisão tomada em data anterior.
Ato inequívoco de apuração não pode ser aquele impulso despropositado no processo, encaminhando os autos a uma outra seção, ou designando data para a oitiva de testemunhas, haja vista que a decisão que admite a produção de determinadas provas é que contém um juízo valorativo da necessidade das mesmas. A designação de data, ou a determinação para que se expeça ofícios é mero impulso oficial que decorre da decisão outrora tomada. Não obstante, entendemos que a norma equivoca-se ao preceituar tão vagamente. Melhor seria a adoção de causas interruptivas expressas, enumerando taxativamente as causas interruptivas da prescrição. A Lei nº 9.457/97 deu nova redação ao art. 33 da Lei nº 6.385/76, passando a considerar causa interruptiva “qualquer ato inequívoco que importe apuração da irregularidade”. Nesse aspecto, é evidente a influência de daquela norma na origem da medida provisória em comento.
Nelson Eizirik, comentando a expressão “qualquer ato inequívoco que importe apuração da irregularidade”, sustenta que “o único ato ‘inequívoco’ de apuração do ilícito é a notificação do indiciado de instauração do inquérito administrativo”.[14][14] Com efeito, não podemos considerar qualquer manifestação do agente público como ato inequívoco de apuração dos fatos.
As causas suspensivas e interruptivas da prescrição devem estar expressas em lei. O preceito do inciso II é muito vago, gerando certa insegurança jurídica, mormente porque pode criar em favor da Administração Pública o entendimento de que é admissível a imprescritibilidade. Estando a prescrição sujeita a inúmeras causas interruptivas, ou seja, podendo ser interrompida a “cada ato inequívoco de apuração dos fatos”, poderá o prazo estender-se indefinidamente, por meio de diligências vazias de objetivos, sem escopo prático significativo. Assim, melhor seria a determinação exata de quais são os atos administrativos que interrompem o prazo da prescrição. Por tais razões, entendemos que a instauração do processo administrativo é quem vai gerar a interrupção do prazo, mas para a sua convalidação é necessária a notificação do indiciado ou acusado.
Pior, é a redação do inciso III, pois a Lei nº 8.884/94 não prevê nenhuma sentença condenatória recorrível. Aliás, a palavra sentença decorre do latim pronuntiatio judicis, sendo uma espécie de decisão final, definitiva ou interlocutória, pela qual o juiz dirime a causa de que tomou conhecimento, após observar, analisar e deduzir, motivando ou fundamentando sempre o seu pronunciamento.[15][15] Não obstante, há o sentido vulgar, onde, por extensão, há de se admitir a denominação sentença para qualquer decisão, inclusive as administrativas.
Mesmo admitindo a palavra sentença, como tendo sido empregada em seu sentido vulgar, outra impropriedade manifesta-se presente. A lei trata de sentença condenatória recorrível, a qual não é prevista na Lei nº 8.884/94. A Lei nº 6.385/76, ao contrário, admite a existência de recurso de suas decisões condenatórias.
As decisões administrativas tem natureza determinativa, contendo, portanto, a cláusula rebus sic stantibus. Dessa forma, como corolário da cláusula que contém, a decisão poderá ser revista todas as vezes que houver transformação na situação fática. Porém, não podemos dizer que a revisão da decisão constituirá recurso propriamente dito. Com, efeito, a Lei nº 8.884/94 não prevê decisão condenatória recorrível, não cabendo recurso das suas decisões. Aliás, é vedado o recurso das decisões do CADE, no âmbito do poder executivo,[16][16] bem como é defeso o recurso ao superior hierárquico, no caso de decisão do Secretário de Direito Econômico.[17][17]
É lamentável que a Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, tenha utilizado uma denominação ultrapassada para a remessa de ofício ao órgão superior, a fim de que a decisão seja reexaminada. O Código de Processo Civil anterior utilizava a denominação recurso de ofício, mas tal impropriedade técnica foi corrigida pelo legislador de 1973, que passou a utilizar a denominação remessa de ofício. Com efeito, o interesse é um dos pressupostos subjetivos do recurso, sendo que a ausência do mesmo inviabiliza o recurso.
A autoridade julgadora não tem interesse em ver a sua decisão reformada, sendo que a remessa para a instância revisora só ocorre porque a lei determina. Assim, é imprópria a denominação recurso de ofício. Não obstante, em face da importância do bem jurídico tutelado, a lei determina que a decisão de arquivamento proferida pela Secretaria de Direito Econômico seja reexaminada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, em sessão plenária. Com efeito, a negativa de provimento ao “recurso de ofício” resultará no arquivamento do processo, o que importará em benefício para empresa, uma vez que esta poderá valer-se da decisão do CADE para promover o seu bom nome no mercado, ou quem sabe, ação indenizatória contra aquele que deu causa ao início da averiguação preliminar.
Por outro lado, a decisão do CADE poderá dirigir-se para o provimento do “recurso de ofício”. Nesse caso, o CADE deverá devolver o processo para que o Secretário de Direito instaure o processo administrativo. Por outro lado, cremos que o CADE não poderá devolver o processo para que a SDE realize novas diligência, pois o seu julgamento deverá ser o de provimento ou de improvimento do “recurso de ofício”, ou seja, existirão, sempre, indícios suficientes, ou insuficientes, para a instauração do processo administrativo. Não obstante, o plenário tem decidido pela devolução dos autos para a SDE, a fim de que se proceda novas diligências.
Conforme ensina o autor João Bosco L. da Fonseca, a averiguação preliminar só poderá ser instaurada se existirem indícios.[18][18] Tais indícios não são provas cabais sobre o fato, mas circunstâncias relacionadas com ele que autorizam determinada conclusão sobre o mesmo. Ressalte-se, entretanto, que o indício representa a circunstância conhecida e provada, não podendo ser considerado indício o trabalho imaginário, desprovido das provas que permitam a conclusão racional da existência da infração. Faz-se uma avaliação racional do valor das provas, sendo que a competência originária para essa avaliação é da SDE, pois esta a única conclusão que a obediência ao princípio da legalidade permite.
A representações anônimas, oral e escrita, merecem rejeição, só podendo ser instaurada a averiguação preliminar quando a representação estiver devidamente identificada, for feita na forma escrita e contiver fundamentação amparada em indícios, sendo que estes devem corresponder à noção acima apresentada. Não obstante, a SDE, ao receber uma notícia anônima, provida de indícios, poderá promover ex officio a averiguação preliminar. Outrossim, a promoção ex officio, precisa ser devidamente motivada, segundo os indícios que a ampara. Nesse diapasão, é importante ressaltar que as decisões administrativas devem ser fundamentadas, visto que a Administração Pública está sujeita ao princípio da motivação.
Ante o exposto, não existe sentença condenatória recorrível, visto que o Secretario de Direito Econômico profere decisão apenas sugestiva, no sentido de que os fatos sejam julgados pelo CADE, não cabendo recurso da mesma, pois ela não encerra nenhuma condenação e há preceito legal impedindo a interposição de recurso. Por outro lado, a decisão de arquivamento comporta “recurso de ofício”, mas, por determinação expressa da medida provisória, a mesma não interrompe a prescrição.
Seria plenamente admissível uma hipótese de interrupção no momento em que o Secretario de Direito Econômico relata o processo, encaminhando-o ao CADE, tendo em vista que a Autarquia só poderá atuar após a conclusão dos trabalhos na SDE. No caso de “recurso de ofício” a hipótese apresenta maior semelhança com os outros ramos do Direito, tendo em vista a regra geral é que a transmutação da competência normalmente interrompe a prescrição.
Mesmo no relatório em que o Secretário propõe o julgamento por entender presentes as provas da infração, é possível verificar a hipótese de interrupção, em face da mudança de competência. Hipótese semelhante ocorre nos processos de competência do tribunal do júri. Ali, há uma fase em que os atos são praticados perante o Juiz singular. Este, ao encerrar a primeira fase, tendo concluído pela existência de indícios de crime contra a vida, profere uma decisão encaminhando os fatos para o julgamento perante o tribunal popular, essa decisão é causa interruptiva da prescrição penal. Assim, a nova norma não caminharia mal se fizesse a previsão de a prescrição seria interrompida pela decisão condenatória prevista no art. 11, § 12 da Lei nº 6.385/76, bem como pela decisão de arquivamento da averiguação preliminar (art. 31 da Lei nº 8.884/94) e decisões constantes do art. 39 da Lei nº 8.884/94.
6.5. Causas suspensivas em espécie
A prescrição não pode correr enquanto o órgão competente estiver impossibilitado de atuar. Pôr essa razão, a lei prevê causas impeditivas (suspensivas) da prescrição, a saber: compromisso de cessação e compromisso de desempenho.
O presente estudo não visa esclarecer com profundidade a aplicação da Lei nº 6.385/76. Porém, deve-se ressaltar que o processo administrativo relativo ao mercado de capitais poderá ser suspenso, quando firmado um compromisso semelhante ao compromisso de cessação.
Durante o cumprimento das condições do compromisso de cessação, ou de desempenho, não há como o Estado impulsionar o processo para apuração da infração. O processo, necessariamente ficará suspenso. Assim, estando o Estado impedido de agir, nada mais justo que suspender o lapso prescricional. Mas, uma vez descumpridas a condições e restabelecido o processo, o prazo volta a correr a partir da data do restabelecimento do processo, o que deve ocorrer antes de expirar o prazo fixado, considerando-se o prazo que fluiu antes do compromisso.
7. Prazos prescricionais
A Medida Provisória manteve o prazo prescricional da regra geral, ou seja, a prescrição se operará em cinco anos. Não obstante, há uma causa de redução do prazo da prescrição. Tal causa era prevista Lei nº 6.385/76, alterada pela Lei nº 9.457/97, onde o prazo da prescrição passava a ser de quatro anos (o que ratifica a idéia de que a MP encontra fulcro, em sua origem, naquela norma). Hoje, o art. 1o, § 1ºda MP 1.708/98 estabelece:
“Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso”.
A prescrição constante do preceito transcrito só ocorrerá se houver processo instaurado. Trata-se de espécie de prescrição intercorrente, ou seja, aquela em que o prazo flui durante o curso do processo. Em regra, a prescrição fundamenta-se na inércia ou lentidão do Estado, sendo que a prescrição prevista no art. 1o, § 1o, da MP 1.708/98 baseia-se unicamente na inércia. Assim, para que ocorra a prescrição intercorrente prevista no referido preceito mister será a completa inércia do Administração durante o prazo de um triênio.
O prazo qüinqüenal não foi extinto, ele é mantido para o caso de lentidão, ou seja, quando a Administração pratica atos que impulsionam o processo, mas não profere nenhum despacho decisório durante o período de cinco anos. Não obstante, inexistindo, inclusive, despacho de mero expediente, bem como a impulsão instrutória por período superior a três, consolidada estará a prescrição.
Quanto à responsabilidade administrativa do servidor que for omisso, dando causa à prescrição, seria despicienda a ressalva, tendo em vista que o Estatuto dos Servidores Públicos, bem como os regimentos e regulamentos dos órgãos já prevêem a responsabilização administrativa daquele que deixar de desenvolver adequadamente a sua função.
Finalmente, percebe-se que a norma inspirou-se na Lei nº 8.112/90, cujo teor é reproduzido pelo revogado art. 33 da Lei nº 6.385/76, com redação dada pela Lei nº 9.457/97, estabelecendo:
“§ 2o. Quando o fato objeto da ação punitiva da administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal”.
Parece-nos que esse não é o melhor posicionamento, visto que em determinados casos o prazo da prescrição da sanção administrativa será aumentado, podendo estender-se até doze anos, tendo em vista que a Lei nº 8.137/90 comina penas máximas de cinco de reclusão para determinados crimes e de oito anos de reclusão para outros. Assim, aplicando a regra do art. 109, inciso III, do Código Penal, a prescrição se operará em doze anos. Para o Direito Penal Econômico não constitui prazo muito longo o que ora apresentamos, mas o mesmo é muito extenso se considerado em sede do Direito Econômico.
A processualidade administrativa tem como princípio a formalidade moderada, enquanto que o processo criminal judicial é formal, sendo, portanto, mais lento. Corroborando, o Direito Econômico procura atender à imperiosa necessidade de celeridade, em face da constantes mutações decorrentes do dinamismo da economia. Como corolário, entendemos que o prazo da prescrição administrativa deve ser menor que o prazo da prescrição penal, nos casos de crimes cuja a pena máxima cominada provoca a dilação do prazo prescricional para além dos cinco anos estabelecidos como regra geral.
É admissível e coerente que as condutas que constituem crimes para os quais a pena máxima cominada não exceda a dois anos de pena privativa de liberdade sejam regidos, no que tange à prescrição, segundo os ditames da lei penal, tendo em vista que o prazo da administração não pode ser maior que o do Juiz Criminal, uma vez que ali há processo que obedece a toda uma formalidade que dificulta o seu desenvolvimento célere. Não bastasse, a sanção penal é mais drástica que a administrativa, sendo inconcebível que o processo capaz de ensejar sanção mais severa tenha prazo para conclusão menor que apura fato sancionável mais brandamente.
Pelas razões expostas, entendemos que o prazo da prescrição administrativa deve reger-se pela lei penal até o prazo máximo de cinco anos. Em caso de infrações em que a infração penal der prazo maior para o exercício da pretensão punitiva ou executória, melhor seria a previsão legal de que a prescrição voltaria a ser regida pela regra da nova norma (MP 170/97), ou seja, manter-se-á o prazo qüinqüenal. Não obstante, é inegável a grande vantagem de manter-se a possibilidade sancionatória administrativa até o término do processo criminal, quando, então, não existirá dúvidas sobre a possibilidade de se aplicar a sanção administrativa, caso seja evidenciado o crime contra a ordem econômica, bem como o seu autor.
O artigo 4o da Medida Provisória em comento traz uma norma de transição confusa. Em direito material, a retroatividade de leis é excepcional, sendo que Nelson Eizirik sustenta a inconstitucionalidade de lei que pretende ser retroativa quando tratar-se de matéria relativa à prescrição da sanção administrativa. Com efeito, o preceito não encontra amparo lógico, mormente porque constante de uma norma que tem força de lei, mas que fundamenta-se na urgência. Ora, se a publicação da medida provisória era urgente, então porque conceder mais dois anos para a Administração Pública concluir seus trabalhos?
Certa ou errada, a norma prevê a redução do lapso prescricional para três anos, em caso de inércia do da Administração Pública, mas diz que a referida redução não atinge os processos que já teriam sido atingidos pela prescrição intercorrente em face do decurso do triênio sem impulso processual. Aliás, o preceito não só não admite a aplicação do novo prazo prescricional de três anos para os processos que já estiverem prescritos, como dá mais dois anos para a conclusão dos trabalhos. Tal regra não pode ser interpretada sem o exame do seu contexto, pois o intérprete desavisado pode concluir que a Administração Pública terá uma dilação do prazo em seu favor, sempre de dois anos.
A norma não pode retroagir, em prejuízo do acusado, a ponto de atingir fatos pretéritos da forma que ela apresenta-se. A perda do direito de punir ocorre em cinco anos, sendo que este era o prazo do antigo art. 28 da Lei nº 8.884/94. Por outro lado, a Lei nº 6.385/76 estipulava o prazo de oito anos. Para essa lei, o preceito do art. 4o da MP 1.708/98 não gera nenhum problema, tendo em vista que o processo que estiver parado há mais de quatro anos terá como efeito a extinção da punibilidade administrativa, não sendo, portanto, atingido pela norma de transição. Porém, se decorridos mais de três e menos de quatro anos, aplica-se a norma de transição, o que não prejudicará o indiciado.
O decurso de quatro anos sem que seja dado qualquer impulso ao processo para apuração de infração prevista na Lei nº 8.884/94 traz a aplicação da regra do art. 4o da MP 1.708/98. Não obstante, é mantido o prazo de cinco anos para a ocorrência da prescrição, ou seja, não é possível a dilação do prazo outrora fixado, tendo em vista que a extinção da punibilidade é de direito material, não comportando a excepcional retroatividade da lei nova, eis que prejudicial ao acusado. Com efeito, se decorridos mais de três anos, a Administração Pública terá prazo que poderá chegar a ser de dois anos, mas condicionados ao limite máximo de cinco anos.
A norma de transição que só podia atingir os processos que estavam em curso no dia 1o de julho de 1998, não mais pode ser aplicada, salvo àqueles casos, se porventura os processos não tiverem sido extintos. Entretanto, ratifica-se, a sua aplicação não é absoluta, tendo em vista que o novo prazo estará condicionado ao máximo de cinco anos, ou seja, se em 1o de julho de 1998 o processo já estivesse parado há três anos e seis meses, a Administração Pública passaria a ter mais um ano e seis meses para a prolação do decisum, pois é só assim que estará sendo obedecida a vontade da norma, interpretada sistematicamente em nosso sistema jurídico.
8. Artigos 7o e 8o da Medida Provisória nº 1.708/98
A revogação de normas pode ser total (ab-rogação), ou parcial (derrogação), a qual pode ser expressa ou tácita. O art. 7o demonstra que parte das Leis nº 6.385/76 e 8.884/94 foram expressamente revogadas pela nova norma.
Curiosa é a menção da data da entrada em vigor de Medida Provisória, conforme previsto no art. 8o da MP nº 1.708/98. Sendo uma medida fundamentada na urgência, o ideal é que toda medida provisória entre em vigor na data de sua publicação. Não obstante, como as medidas provisórias tem sido utilizadas em substituição aos projetos de lei de iniciativa do Poder Executivo, melhor é a previsão da data em que a mesma entra vigor, a fim de evitar discussões sobre a aplicação da mesma no tempo.
9. Conclusão
Ante o exposto, podemos concluir que a Medida Provisória nº 1.708/98 encontra coerente escopo teológico, mas caminha mal em determinados momentos, em face da impropriedade técnica manifestada em seu texto, v.g., posiciona-se no sentido de que a prescrição atinge tão somente o direito de ação, quando tal conclusão simplista, baseada em falsa distinção dos institutos da prescrição e da decadência, tem perdido sua força no mundo jurídico hodierno.
O prazo da extinção do direito de sancionar, em face da ocorrência da prescrição, será, em regra, o qüinqüenal. Não obstante, outros poderão ser os prazos, a saber: a) o prazo poderá ser maior ou menor que cinco anos, em caso da infração também constituir crime;[19][19] b) ocorrerá prescrição intercorrente no prazo de três anos, em caso de inércia da Administração após iniciado o processo administrativo; c) para os processos atingidos, em 1o de julho de 1998, pela prescrição intercorrente nupercitada, haverá dilação do prazo por mais dois anos, mas que só poderá estender-se até o limite máximo de cinco anos.
A notificação do administrado interrompe a prescrição, devendo ser considerada a data da instauração do processo administrativo (Lei nº 8.884/94) ou inquérito (Lei nº 6.385/76), pois a realização dos referidos atos constitui “ato inequívoco de apuração”, o que convalidará a causa interruptiva já concretizada, mas que dependerá da notificação do administrado, a fim de que produza efeitos.
A Medida Provisória falha seriamente quando trata de “sentença condenatória recorrível” como causa interruptiva da prescrição. Por analogia, entendemos que as decisões condenatórias recorríveis previstas na Lei nº 6.385/76 interrompem a prescrição. Entretanto, como o relatório do Secretário de Direito Econômico, bem como a decisão de arquivamento da averiguação preliminar não são condenatórios, não poderão interromper a prescrição, sendo coerente e necessária a alteração da norma para que a mesma seja aplicável aos órgãos de defesa da ordem econômica (SDE e CADE).
Finalmente, é importante perceber que o prazo prescricional fica suspenso – parado, dormindo – durante o cumprimento de compromisso de cessação e compromisso de desempenho, bem como durante a suspensão do processo que apura infração contra o mercado de capitais e valores mobiliários, ocorrida na forma do art. 11, § 5o, da Lei nº 6.385/76.
[20][1] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa Prescrição penal. São Paulo : Atlas, 1997, p. 126/127.
[21][2] FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei de Proteção da Concorrência (Comentários à Lei Antitruste). Rio de Janeiro : Forense, 1995, p. 110.
[22][3] Cf. EIZIRIK, Nelson. Reforma das S.A. & dos Mercados de Capitais. Rio de Janeiro : Renovar, 1997, p.188/189.
[23][4] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. 16a. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1994 v. 1, p. 230.
[24][5] AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. São Paulo : RT, ano 86, out/97, nº 744, p. 725-750.
[25][6] EIZIRIK, Nelson. Reforma das... Op. cit. p. 189.
[26][7] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa de. Prescrição penal. São Paulo : Atlas, 1997, p.
[27][8] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1975, p. 333.
[28][9] NUNES, Rodrigues. Grande dicionário jurídico. São Paulo : RG, 1995, p. 90.
[29][10] NÁUFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro. 8a ed. São Paulo : Ícone, 1988, p. 257.
[30][11] CPC, art. 213.
[31][12] CPC, art. 935, caput.
[32][13] MESQUITA JÚNIOR, Sidio Rosa. Op. cit., p. 128.
[33][14] EIZIRIK, Nelson. Op. Cit., p. 201.
[34][15] NUNES, Rodrigues. Op. Cit. P. 453.
[35][16] Lei nº 8.884/94, art. 50.
[36][17] Lei nº 8.884/94, art. 41.
[37][18] FONSECA, João Bosco Leopoldino. Op. cit., p. 114.
[38][19] Ver nossa crítica à possibilidade de dilação do prazo da prescrição porque a prescrição penal tem prazo maior.

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