segunda-feira, 9 de julho de 2012

Dívida de valor pequeno não pode provocar falência de sociedade comercial


DECISÃO DO STJ
Dívida de valor pequeno não pode provocar falência de sociedade comercial
O princípio da preservação da empresa impede que valores inexpressivos de dívida provoquem a quebra da sociedade comercial. A decretação de falência, ainda que o pedido tenha sido formulado na vigência do Decreto-Lei 7.661/45, deve observar o valor mínimo de dívida exigido pela Lei 11.101/05, que é de 40 salários mínimos. 

Com esse entendimento, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial interposto por empresa que pretendia ver decretada a falência de outra, devedora de duplicatas no valor de R$ 6.244,20. 

O pedido de falência foi feito em 2001, sob a vigência do Decreto-Lei 7.661, cujo artigo 1º estabelecia: “Considera-se falido o comerciante que, sem relevante razão de direito, não paga no vencimento obrigação líquida, constante de título que legitime a ação executiva.” 

Mudança
A Lei 11.101 trouxe significativa alteração, indicando valor mínimo equivalente a 40 salários mínimos como pressuposto do requerimento de falência. 

O juízo de primeiro grau extinguiu o processo, visto que o valor da dívida era inferior ao previsto na nova legislação falimentar. A decisão foi mantida em segunda instância, entendendo o tribunal que deveria incidir o previsto na Lei 11.101. 

No recurso especial interposto no STJ, a empresa alegou que a falência, de acordo com o artigo 1º do Decreto-Lei 7.661, era
caracterizada pela impontualidade no pagamento de uma obrigação líquida e não pela ocorrência de circunstâncias indicativas de insolvência. 

O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, analisou a questão sob o enfoque intertemporal e entendeu que a nova lei especificou que, se a falência da sociedade fosse decretada na sua vigência, seriam aplicados os seus dispositivos. “Assim, no procedimento pré-falimentar, aplica-se a lei anterior, incidindo a nova lei de quebras somente na fase falimentar”, disse.

Entretanto, ele explicou que a questão não deveria ser analisada simplesmente sob o prisma do direito intertemporal, mas pela ótica da nova ordem constitucional, que consagra o princípio da preservação da empresa.

Repercussão socioeconômica. 

“Tendo-se como orientação constitucional a preservação da empresa, refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores insignificantes provocarem a sua quebra, razão pela qual a preservação da unidade produtiva deve prevalecer em detrimento da satisfação da uma dívida que nem mesmo ostenta valor compatível com a repercussão socioeconômica da decretação da falência”, sustentou Luis Felipe Salomão.

Para ele, a decretação da falência de sociedade comercial em razão de débitos de valores pequenos não atende ao correto princípio de política judiciária e, além disso, traz drásticas consequências sociais, nocivas e desproporcionais ao montante do crédito em discussão, tanto para a empresa, quanto para os empregados.

Por fim, o ministro explicou que o pedido de falência deve ser utilizado somente como última solução, sob pena de se valer do processo falimentar com propósitos coercitivos. 


DECISÃO
Terceiro que adquire imóvel de má-fé é atingido por efeitos do pacto comissório não transcrito no registro
As consequências de pacto que determinava a anulação de contrato por descumprimento de uma cláusula (pacto comissório) podem ser impostas a terceiro que tenha agido de má-fé ou de modo temerário. Com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão que garantiu à Mitra Arquidiocesana de Fortaleza a posse de um terreno nobre na capital do Ceará.

A Quarta Turma considerou desfeito o contrato de permuta do imóvel assinado pela instituição com construtoras que acabaram não edificando a obra prometida. Para a Turma, também é nula a alienação do terreno feita posteriormente pelas construtoras a terceiro – a Associação Pró-ensino Ltda. (Apel).

Inicialmente, em 1993, a Mitra assinou contrato de permuta com um consórcio de construtoras para exploração do terreno em questão. Em contrapartida, receberia lojas, apartamentos e vagas de garagem nas edificações que deveriam ser erguidas no prazo de 30 meses. No ano seguinte, a escritura pública de compra e venda do terreno foi passada ao consórcio, como constava no contrato. No entanto, apesar de terem iniciado a obra, as construtoras inadimpliram o contrato. Em 1999, alienaram o imóvel à Apel.

Ocorre que no contrato com a Mitra havia um cláusula resolutiva, determinando o restabelecimento do statu quo ante em caso de inadimplemento. A Mitra ajuizou, então, ação contra as construtoras e a Apel, para rescindir o contrato e anular a escritura pública de compra e venda do imóvel à Apel. A instituição religiosa pediu também o embargo da obra, a demolição do que já havia sido construído e o pagamento de indenização por perdas e danos e lucros cessantes. 

Inadimplência

A ação foi julgada procedente, anulando a venda feita à Apel. A sentença entendeu que, uma vez ocorrida a inadimplência, a avença das construtoras com a Mitra estava desfeita, surgindo para o consórcio a obrigação de devolver o imóvel. Também disse que a Apel teria conhecimento daquele negócio, e que sabia dos riscos que estava correndo. Em apelação, a sentença foi confirmada.

A Apel recorreu ao STJ. O relator, ministro Raul Araújo, afastou a alegação de prescrição do direito de ação sustentada pela recorrente. Disse que, baseadas nos fatos e provas, nas circunstâncias do caso e nas afirmações feitas nas contestações apresentadas pelas rés, as instâncias ordinárias se convenceram de que a associação tinha conhecimento das pendências relativas ao imóvel.

“Com um mínimo de diligência, indispensável para quem adquire imóvel de tão alto valor apresentando edificações inconclusas, descobriria a Apel a litigiosidade latente do negócio”, disse o ministro. Para ele, a Apel assumiu os riscos envolvidos. Acolher a tese contrária ao que foi delineado pelas instâncias de origem demandaria reexame de provas, o que é vedado pelo Súmula 7 do STJ.
 

Má-fé 

O ministro relator também analisou outro ponto contestado pela Apel: de que a cláusula resolutiva não foi mencionada no título de transmissão da propriedade do imóvel para as construtoras, nem averbada no registro competente, a fim de garantir e prevenir terceiro quanto à possibilidade de perda do bem.

O magistrado reconheceu que, se a condição resolutiva não constar do registro imobiliário, a rescisão do contrato não opera efeitos em relação a terceiros de boa-fé. Entretanto, se o terceiro adquire imóvel, mas, de alguma forma, conhecia a restrição imposta, agindo de forma temerária ou de má-fé na aquisição do bem, “não poderá alegar em seu favor haver presunção absoluta do domínio constante de registro imobiliário”.

No caso, como as instâncias de origem entenderam haver conhecimento da restrição pela Apel, não se aplica a regra da boa-fé. Ademais, concluiu o ministro, a presunção de veracidade dos registros imobiliários não é absoluta, mas juris tantum, admitindo-se prova em contrário.