segunda-feira, 25 de junho de 2012

ITBI: o bicho-papão no sonho da casa própria


ITBI: o bicho-papão no sonho da casa própria

 

Prefeitura avalia imóveis até 50% acima do valor de mercado para cobrar imposto; compradores recorrem sem sucesso

 
RIO - Em qual local da cidade o imóvel é mais valorizado? Acertou quem respondeu no setor de ITBI da Secretaria municipal de Fazenda. Embalada pelo boom imobiliário dos últimos três anos, a prefeitura do Rio vem aumentando — em alguns casos em mais de 50% — a avaliação dos imóveis da cidade para a cobrança do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, aquele tributo que o comprador pensa que vai recolher ao município no valor de 2% do que pagou pela casa nova, mas que, na prática, pode ser bem mais.
Foi o caso do administrador Rogério Quintanilha. Ele comprou um apartamento na Tijuca por R$ 750 mil. Ao gerar pela internet a guia do ITBI, levou o primeiro susto: o valor do apartamento pulou para R$ 1,1 milhão. Rogério recorreu administrativamente e perdeu. Mas, quando foi tirar uma nova guia do imposto, o valor venal arbitrado pela prefeitura tinha subido para R$1,9 milhão.
— Eu recorri de novo. Desta vez, ganhei. Paguei o tributo referente ao valor de R$1,1 milhão. Ou seja, o prefeito pôs um bode na minha sala e, quando retirou, eu achei que ficou bem melhor — contou Quintanilha, que agora vive um novo drama.

Estado também usa avaliações da prefeitura

Com a morte da mulher, ele terá que recolher 4% do valor atualizado do imóvel de imposto ao estado para receber como herança parte do mesmo imóvel. E a Fazenda estadual usa, como regra, as avaliações da prefeitura:
— Agora vou ter que brigar para tirar o bode do Cabral da minha sala.
Para não perder o financiamento da casa própria, a economista Viviana Faria resolveu pagar os R$ 32 mil de ITBI referentes ao valor de mercado de R$ 1,6 milhão que a prefeitura estipulou para o apartamento de 120 metros quadrados que ela e o marido compraram na planta, por R$ 600 mil, na Rua Ministro Raul Fernandes, em Botafogo.
— O valor que a construtora atualizou para o imóvel é de R$ 800 mil, a prefeitura avaliou pelo dobro. Então estamos dispostos a vender o imóvel agora para ela — protestou Viviana, que pretende recorrer à Justiça.
Sua futura vizinha, a analista de sistemas Andréa Rocha, resolveu recorrer administrativamente, mas teme perder o financiamento:
— Demos entrada no recurso no início do mês, e o despachante calcula que o recurso seja julgado em até um mês. A compra está parada, e isso com certeza vai impactar no financiamento.
O mineiro Alexandre Sontang também recorreu. Ele comprou há dois anos um apartamento no Humaitá, na planta, pelo valor de R$ 615 mil. O imóvel foi entregue em novembro de 2011, mas a briga com o ITBI atrasou a entrega das chaves:
— A prefeitura arbitrou o valor em R$ 1,89 milhão, três vezes o valor que paguei. No mercado, o imóvel está avaliado em R$ 1,1 milhão. Recorri imediatamente.
Sontang entrou com recurso administrativo em 2 de abril, mas ainda não teve resposta:
— O processo na prefeitura anda a passos de tartaruga, sem contar que a cada instante pedem novos documentos. Não pude esperar esse processo desrespeitoso com o cidadão, pois precisava pagar entregar a guia paga do imposto à construtora para poder obter as chaves. Então, quitei.
José Carlos Luz Bernardo desistiu de trocar seu apartamento na Rua Manoel Ferreira, por outro maior na Rua Vice-governador Rubens Berardo, na Gávea, depois que soube o valor que teria de pagar de ITBI:
— O valor do imóvel é R$ 1,61 milhão, mas a prefeitura avaliou em R$ 2,5 milhões. Desisti.
Segundo o vice-presidente de Assuntos Condominiais do Secovi-RJ, Leonardo Schneider, em algumas ruas da cidade a prefeitura vem de fato avaliando os imóveis acima do valor de mercado:
— Isso está acontecendo em bairros como a Tijuca, onde a diferença realmente está alta. A prefeitura apostou muito na valorização dos preços, e isso está se tornando um fator restritivo no mercado. Muitos contribuintes se sentem lesados. O município deveria fazer uma revisão desses valores.
Na hora de calcular o IPTU, critério é outro
A mesma Secretaria municipal de Fazenda, que supervaloriza o imóvel no momento da compra, dá a ele um valor até dez vezes mais baixo na hora de cobrar o IPTU. O subsecretário municipal de Tributação e Fiscalização, Ricardo Martins, explica que isto ocorre porque são empregados critérios diferentes. Segundo ele, para calcular o ITBI ,o governo utiliza as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Ricardo Martins explicou que, a cada três meses, a fiscalização avalia os valores das guias pagas para tirar a estimativa e atualizar os valores:
— Usamos a massa de informações dos valores efetivamente pagos do ITBI. Na comparação de um trimestre com outro, se a variação ultrapassar o limite de 5%, para cima ou para baixo, então atualizamos os dados. É claro que com 80 mil guias por ano, podemos errar em uma ou outra avaliação. Para isto, existe a revisão. O contribuinte que não concordar com o valor da guia pode impugná-lo — explicou o secretário, acrescentando que o recurso administrativo demora cerca de 15 dias para ser julgado.
Segundo ele, a legislação estabelece que o o ITBI deve ser recolhido sobre o valor venal (de mercado) do imóvel e é de competência do município:
— O imóvel na planta é uma oportunidade. O comprador assume o risco do investimento. E a incorporadora, por sua vez, baixa o preço para captar recursos, mas assim que o imóvel fica pronto o valor é atualizado. A prefeitura não pode pagar o ônus dessa oportunidade. Ela tem que cobrar o valor de mercado. É o que diz a lei.
Já o valor venal do IPTU é calculado a partir da Planta Genérica de Valores, cuja vigência data de janeiro de 1998. Em seu site, a Secretaria municipal de Fazenda disponibiliza a explicação para o cálculo do valor venal de um imóvel, bem como a consulta de logradouros.
Segundo Ricardo Martins, para impugnar o valor da guia do ITBI, o contribuinte pode recorrer na sede da Prefeitura, na Rua Afonso Cavalcanti, 455, prédio anexo, no andar térreo, no horário de 9 às 16 horas, ou mesmo pela internet. No site da SMF, estão disponíveis o formulário, os documentos necessários e o passo a passo do processo administrativo. Para recorrer, o contribuinte tem prazo de até 30 dias após o lançamento e antes de efetuar o pagamento.
Professor de direito imobiliário, o advogado João Basílio explicou que o contribuinte também pode recorrer judicialmente, através de ação de repetição de indébito, mas corre o risco, senão conseguir uma medida liminar, de ter que esperar até quatro anos pelo julgamento do recurso.
Basílio avalia que a prefeitura errou na dose. Segundo ele, durante décadas, o município avaliava muito mal os valores de mercado para o cálculo do imposto:
— Antigamente, a prefeitura avaliava o imóvel por cerca de 30% do valor de mercado. Era muito baixo. Foi no governo Cesar Maia que os valores foram revistos e passou a se utilizar o valor de mercado. Mas agora, em alguns bairros, esses valores estão realmente acima da realidade — explicou.
Segundo ele, o mercado de imóveis no Rio viveu um boom nos últimos anos, mas tende agora a estabilizar.


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Construtoras podem voltar a cobrar juros durante obras


Construtoras podem voltar a cobrar juros durante obras
Decisão do STJ abre caminho para revisão de TAC assinado em 2005
Uma decisão da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou legais os juros cobrados pelas construtoras durante a obra na venda de um imóvel na planta. Na prática, isso abre caminho para uma antiga prática que, no passado, levou tantos compradores à Justiça, já que o saldo a pagar na entrega das chaves era mais alto que o valor do imóvel. Por seis votos a três, os ministros do STJ entenderam que não existe venda a prazo com preço de venda à vista e, com este argumento, reverteram decisão anterior da Quarta Turma, que havia identificado abuso contratual na cobrança dos chamados “juros no pé”, no jargão do mercado.
Relator do acórdão, o ministro Antonio Carlos Ferreira considerou que a comercialização de imóvel na planta facilita o acesso à moradia e, em regra, constitui investimento para o comprador, que adquire o bem com valor inferior ao preço do imóvel pronto. Ele argumentou ainda que “o comprador tem a obrigação de pagar o preço ajustado enquanto o incorporador assume toda a responsabilidade pela conclusão do empreendimento” e que a quitação da compra deveria ser feita à vista. “O incorporador estará antecipando os recursos que são de responsabilidade do adquirente, destinados a assegurar o regular andamento do empreendimento. Afigura-se, nessa situação, legítima a cobrança de juros compensatórios”, concluiu o ministro.
Para ele, a cobrança dos juros nunca deixou de ser feita pelas construtoras e incorporadoras, que incluíam seu valor no preço final da obra sem, contudo, explicitá-lo no contrato. Assim, a decisão pela legalidade da cobrança garantiria o direito à informação previsto no Código de Defesa do Consumidor.
O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel de Oliveira, critica a decisão do STJ: para ele, o consumidor só deve pagar juros a partir do momento em que tem acesso ao bem.
— Se você não está usufruindo do imóvel, não tem porque pagar juros. Depois da concessão do habite-se, sim, é justo haver uma atualização do custo da produção.
Oliveira, no entanto, não acredita que o mercado voltará a adotar essa prática.
— Até acredito que algumas empresas vão embutir os juros nas parcelas pré-chaves, mas o consumidor hoje está mais atento, mais consciente. Aquela construtora que efetivamente estiver cobrando juros acabará sendo evitada pelos compradores.
A decisão é nacional. Mas aqui no Rio, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público Estadual foi assinado em 2005 por grande parte das construtoras que, desde então, se comprometeram a não mais fazer a cobrança. Com a decisão do STJ, contudo, é provável que construtoras peçam, futuramente, a revisão desse TAC. Mas o vice-presidente da Ademi, João Paulo Matos, também não acredita que isso vá acontecer, pelo menos, por enquanto.
— O mercado amadureceu e percebeu que essa é uma prática que não funcionava. Então, as construtoras precisaram se adaptar a não cobrança de juros. Não acredito que agora isso possa mudar e com todas as empresas que já conversei, não percebi esse interesse. Mas a decisão é de cada uma — afirmou.